Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (26/11/2014)
Crítica/ Chacrinha
– O Musical
Imagem mimética da criatura |
O musical biográfico, gênero que se multiplica no
mercado teatral carioca, mantém sua fórmula, até agora comercialmente próspera,
sem muitas variações. Da escolha de personagem e trilha sonora conhecidas à linearidade
narrativa do nascimento a morte, todos parecem repetir-se, mudando apenas o nome
do biografado, mas mantendo no título a designação de “o musical”, para não
deixar dúvidas sobre a padronização do que se pode esperar. Chacrinha – O Musical, ainda que siga os mesmos caminhos, procura na dramaturgia encontrar
um atalho que o desvie, discretamente, da rota preestabelecida. O texto de
Pedro Bial e Rodrigo Nogueira reitera a sequência cronológica e revive músicas,
numa variante de sentimentalismo e exaltação com tratamento de homenagem. A
pequena e decisiva diferença está na tentativa de criar diálogo cênico entre o
criador (Abelardo Barbosa) e a criatura (Chacrinha), na apreensão dos símbolos para
construir o Velho Guerreiro e no paralelismo de manifestações populares para definir
o palhaço. A origem nordestina é ambientada no universo do pastoril, com as
figuras do folguedo anunciando os futuros jurados do programa de televisão e o
mestre antecipando os bordões e a irreverência do animador. Esse exercício de
duplos, insufla uma aragem, se não inovadora, pelo menos mais consistente para
sustentar os previsíveis códigos das biografias musicais. Ainda que no segundo
ato, quando a ação se transfere para o exibicionismo do show de tv e o jogo de
identidades perde intensidade, o libreto extrapola a pesquisa e amplia o seu
alcance dramático. O diretor Andrucha Waddington ajustou, com criteriosa
harmonização, os complexos elementos da montagem de um musical, apoiando-se
numa equipe artística com intimidade ao estilo. A cenografia de Gringo Cardia
se impõe pela reprodução dos desenhos de cordel, alguns com movimento, evocando
com poéticas referências a infância de Abelardo em Pernambuco. A fase
televisiva recebe extravagante decoração de objetos infláveis de efeito semelhante
à desordem do programa daquele que “não veio para explicar, mas para confundir”.
O figurino terroso de Claudia Kopke para o quadro do folclore contrasta com a
exuberância das roupas de palco da segunda parte. O visagismo de Martin Macias
complementa o visual expandido, que tem na iluminação de Paulo Cesar Medeiros outro
destaque. A coreografia de Alonso Barros está alinhada com a correção, tanto
quanto a direção musical de Delia Fischer. No elenco de 24 atores, as maiores
oportunidades recaem sobre os protagonistas, mas os demais compõem eficiente
grupo de intérpretes cantores e bailarinos. Leo Bahia, como o jovem Abelardo, mostra
fôlego de experiente na sua estreia profissional. Bom cantor, ator de recursos,
Bahia tem presença catalizadora em cena. Stepan Nercessian em atuação mimética,
revive na voz e no gestual o magnetismo do Chacrinha.