sábado, 22 de novembro de 2014

Temporada 2014


Crítica do Segundo Caderno de O Globo (22/11/2014)

Crítica/  Os Intolerantes
Humor absurdo no caos urbano
Carla Faour, autora desta comédia alegórica, baseou-se em notícia de jornal para construir narrativa que extrai da realidade seus contornos absurdos. Há pouco mais de nove meses, menor foi preso a um poste por uma tranca de bicicleta, no Flamengo, por rapazes como corretivo por um roubo. Na transposição teatral do fato, um garoto é igualmente acorrentado, depois de roubar a bolsa da viúva de militar na praia de Copacabana. Grupo heterogêneo de passantes – casal a caminho de uma festa, uma estudante e um participante de manifestações, além de um ciclista de academia – se divide nas opiniões diante da cena, em apoio ou repúdio, revelando seus preconceitos e posição na escala social. Os protestos que paralisam a cidade, imobilizam e isolam esses tipos que exigem a presença da polícia, que nunca aparece e é substituída pela discussão sobre o destino do menor, em variantes formas de justiça transversa. O humor absurdo de situação não menos absurda desvenda comportamentos e reforça atitudes intolerantes, projetando insuperáveis contradições da convivência urbana. A autora estende para além da potencialidade da trama o desenvolvimento da ação, o que provoca uma solução postiça e pouco inspirada no final. A alegoria dos personagens, fantasiados de tipos nacionais, num desfile de macunaímas  carnavalescos, ao contrário de provocar impacto visual, deixa a impressão de que não se encontrou desfecho mais convincente. A imagem deste cortejo de fantasiados do caos e da perplexidade não adquire força expressiva que estabeleça ligação com a parte inicial, que mesmo prolongada em divagações expõe com alguma ironia quadro com manchas patéticas. Henrique Tavares cria em movimentos cautelosos atmosfera absurda, que provoca tanto estranheza quanto identificação. Em muitos momentos, atinge ambas as reações, mas perde comunicabilidade ao transferir à imagem final o papel de interpretar o que as palavras não pretendem concluir. O cenário mínimo de José Dias, o figurino de Patricia Muniz, que explora pouco o clima delirante, e a boa iluminação de Aurélio de Simoni compõem com a direção e o texto ambientação que tem dificuldade de explodir e lançar estilhaços que, verdadeiramente, atinjam a plateia. O elenco segue com desenho tipificado de figuras cômicas a sequência de inverossímeis opiniões. Carla Faour e Celso Taddei formam o casal suburbano de status emergente. Ivone Hoffmann, a viúva roubada, distribui  caridade, imaginando os velhos tempos da ditadura. Day Mesquita e Leandro Santanna são os pontos extremos da curva das manifestações. Sérgio Abreu é o ciclista justiceiro, orgulhoso dos troféus nos Jogos Pan-Americanos e na captura do menor. Éder Martins de Souza, como o garoto aprisionado no poste, tem a melhor e mais bem construída interpretação.