Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (22/11/2014)
Carla Faour, autora desta comédia alegórica, baseou-se
em notícia de jornal para construir narrativa que extrai da realidade seus
contornos absurdos. Há pouco mais de nove meses, menor foi preso a um poste por
uma tranca de bicicleta, no Flamengo, por rapazes como corretivo por um roubo. Na transposição teatral do fato, um garoto
é igualmente acorrentado, depois de roubar a bolsa da viúva de militar na praia
de Copacabana. Grupo heterogêneo de passantes – casal a caminho de uma festa,
uma estudante e um participante de manifestações, além de um ciclista de
academia – se divide nas opiniões diante da cena, em apoio ou repúdio, revelando
seus preconceitos e posição na escala social. Os protestos que paralisam a cidade,
imobilizam e isolam esses tipos que exigem a presença da polícia, que nunca
aparece e é substituída pela discussão sobre o destino do menor, em variantes
formas de justiça transversa. O humor absurdo de situação não menos absurda
desvenda comportamentos e reforça atitudes intolerantes, projetando insuperáveis
contradições da convivência urbana. A autora estende para além da
potencialidade da trama o desenvolvimento da ação, o que provoca uma solução
postiça e pouco inspirada no final. A alegoria dos personagens, fantasiados de
tipos nacionais, num desfile de macunaímas
carnavalescos, ao contrário de provocar
impacto visual, deixa a impressão de que não se encontrou desfecho mais
convincente. A imagem deste cortejo de fantasiados do caos e da perplexidade
não adquire força expressiva que estabeleça ligação com a parte inicial, que
mesmo prolongada em divagações expõe com alguma ironia quadro com manchas patéticas.
Henrique Tavares cria em movimentos cautelosos atmosfera absurda, que provoca
tanto estranheza quanto identificação. Em muitos momentos, atinge ambas as reações,
mas perde comunicabilidade ao transferir à imagem final o papel de interpretar o
que as palavras não pretendem concluir. O cenário mínimo de José Dias, o
figurino de Patricia Muniz, que explora pouco o clima delirante, e a boa
iluminação de Aurélio de Simoni compõem com a direção e o texto ambientação que
tem dificuldade de explodir e lançar estilhaços que, verdadeiramente, atinjam a
plateia. O elenco segue com desenho tipificado de figuras cômicas a sequência
de inverossímeis opiniões. Carla Faour e Celso Taddei formam o casal suburbano
de status emergente. Ivone Hoffmann, a viúva roubada, distribui caridade, imaginando os velhos tempos da
ditadura. Day Mesquita e Leandro Santanna são os pontos extremos da curva das
manifestações. Sérgio Abreu é o ciclista justiceiro, orgulhoso dos troféus nos
Jogos Pan-Americanos e na captura do menor. Éder Martins de Souza, como o
garoto aprisionado no poste, tem a melhor e mais bem construída
interpretação.