segunda-feira, 4 de novembro de 2013

37ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ A Outra Cidade
Narrativa desarticulada de tsunamis afetivos
A multiplicidade de atalhos por onde Pedro Brício procura fazer um balanço da finitude do tempo nesta A Outra Cidade, em cartaz no Teatro I do CCBB, parece o ter conduzido, mais à evasão de rumo, do que ao encontro expressivo. Há ciclos, que marcam fins, como o da existência de uma cidade, do esfumaçamento das lembranças, das mudanças determinadas pela idade e o definitivo, a morte. Uma cidade austral de uma vaga Argentina vive a ameaça iminente de um tsunami que a condena ao desaparecimento, e entre seus habitantes, um garoto, que se comunica com a mãe morta (ela morreu no parto do menino), convive com o pai, sua mulher, o irmão e sua noiva, em conflitos de aparente desarticulação. A narrativa, que transita pela humor, com leve sentido de absurdo e frágil traço poético, parece fundamentado numa ideia de maior potencialidade do que de bem-sucedida estruturação. O autor oscila por esses diversos momentos, atribuindo-lhes tratamento de cenas quase independentes, desequilibrando a unidade da ação e dispersando o centro do entrecho. São tantas e tão desviantes subtramas (pai hesitante em casar, mãe morta com ciúmes do marido vivo, irmão sem convicção para casar) e figurações simbólicas (fotos que desaparecem e armários que aparecem), que ao contrário de apontar para indicações dramáticas, se perdem em imagens gratuitas. O que parece ter levado o autor a escrever a peça, está resumido ao final, quando um personagem conclui que tudo aquilo (relações passadas, dores de perdas, lembranças engolfadas por tsunamis existenciais), nada mais é do que o fim de uma época, a da juventude. Na direção, Pedro Brício preferiu acentuar o humor, mais do que estabelecer contraponto onírico que, talvez pudesse segurar melhor a dispersão. De certa forma, a direção de arte de Rui Cortez supre essa ausência, com cenografia evocativa. O elenco não tem como evitar a instabilidade do texto, solto em meio ao humor deslocado de uns, perdido no implausível diálogo de outra e algo crítico na interpretação de alguns.

Crítica/ Academia do Coração
Exercícios de autoajuda para pacientes-ginastas
Flávio Marinho pode ser considerado um comediógrafo, na acepção que se atribuía a dramaturgos na primeira metade do século passado que escreviam, com exclusividade, no gênero. Em quase 30 anos, Marinho construiu obra em duas dezenas de textos que se mantêm fiel à sua escolha autoral. Academia do Coração, em cena no Teatro Maison de France, permanece na mesma linha, na qual à comédia tradicional de costumes acrescentam-se algum sentimentalismo e contidas observações sobre comportamentos de hoje. No texto atual, Marinho ambienta numa academia de medicina esportiva grupo de cardíacos que se empenham, com maior ou menor dedicação, em exercícios de recuperação, administrados por médica autoritária. A convivência ocasional  faz com que eventuais confidências se misturem a piadinhas sobre os casos médicos individuais, o envelhecimento, medicamentos e pouco mais além de tais banalidades. A chegada de jovem recém transplantado faz com que o seu bom mocismo interferia e modifique a vida de cada um dos pacientes-ginastas. Esse anjo protetor, cheio de conselhos e ditos de autoajuda, desaparece sem deixar vestígios, deixando o grupo no céu da tranquilidade, resolvendo  as queixas e frustrações de todos. Com artificialidade e excesso de rótulos, a comédia não projeta o humor que se supõe deveriam ter os diversos tipos, que nos três quadros de mudança de tempo, repetem as mesmas e rotineiras piadas. Os conselhos do jovem soam como um manual de otimismo que não escapa do piegas. Na direção, Flávio Marinho é servil ao autor Flávio Marinho, ampliando em cena o que o texto já avançava. Os atores carregam na tipificação, com Cristina Pereira repetindo-se, Bia Nunes sem encontrar o humor, Ernani Moraes pouco à vontade, Sandro Christopher exibindo a voz, Renato Reston apagado, e Arlindo Lopes dando exagerada credibilidade ao que que diz.        

Crítica/ Sonhos de um Sedutor
Marido abandonado, amiga compreensiva
A autoria e a versão cinematográfica revelam a tendência para superestimar essa peça de Woody Allen, que com direção de Ernesto Piccolo está em cartaz no Teatro Ipanema. Pode até ser divertida a tentativa constante e repetitiva de um neurótico e hipocondríaco para encontrar namorada, depois de ser abandonado pela mulher. Essa projeção do próprio Woody, entre a ajuda da mulher de seu melhor amigo e conversas com a imagem e a experiência de Humphrey Bogart em conquistas femininas, Allan (esse é o nome do personagem, quase o mesmo de seu criador) investe em várias possibilidades, sem êxito, até que se percebe apaixonado pela amiga Linda (a que se dispôs a ajuda-lo na busca). Explorando o temperamento e as obsessões (cinema, psicanálise, insegurança emocional) do ator e diretor de Manhattan, a comédia circula por todas as suas idiossincrasias afetivas e mediações com a magia da tela, num tributo auto referenciado a si mesmo. A situação central sobrevive ao desgaste dos previsíveis desdobramentos pela personalidade mimetizada do personagem verdadeiro, caso contrário os intermitentes e frenéticos monólogos de Allan seriam nada mais do que mecanização compulsiva de palavras. Ernesto Piccolo costura a montagem, procurando manter o ritmo agitado, que nem sempre é possível pela queda natural do texto, concentrando o humor na interpretação de George Sauma. O aspecto mais Zelig (a presença de Bogart) se torna algo secundário pelo diretor não lhe ter dado melhor acabamento. Heitor Martinez, tanto é o Bogart posado, quando o marido displicente. Georgiana Góes se multiplica em muitos tipos, enquanto Luana Piovani se comporta como uma presença. George Sauma se mostra ágil na demonstração exibicionista de habilidades.  

                                                         macksenr@gmail.com