Crítica/ A Outra
Cidade
A multiplicidade de atalhos por onde Pedro Brício
procura fazer um balanço da finitude do tempo nesta A Outra Cidade, em cartaz no Teatro I do CCBB, parece o ter conduzido, mais à evasão de rumo, do que ao encontro
expressivo. Há ciclos, que marcam fins, como o da existência de uma cidade, do esfumaçamento
das lembranças, das mudanças determinadas pela idade e o definitivo, a morte.
Uma cidade austral de uma vaga Argentina vive a ameaça iminente de um tsunami
que a condena ao desaparecimento, e entre seus habitantes, um garoto, que se
comunica com a mãe morta (ela morreu no parto do menino), convive com o pai,
sua mulher, o irmão e sua noiva, em conflitos de aparente desarticulação. A
narrativa, que transita pela humor, com leve sentido de absurdo e frágil traço
poético, parece fundamentado numa ideia de maior potencialidade do que de bem-sucedida
estruturação. O autor oscila por esses diversos momentos, atribuindo-lhes tratamento
de cenas quase independentes, desequilibrando a unidade da ação e dispersando o
centro do entrecho. São tantas e tão desviantes subtramas (pai hesitante em
casar, mãe morta com ciúmes do marido vivo, irmão sem convicção para casar) e figurações
simbólicas (fotos que desaparecem e armários que aparecem), que ao contrário de
apontar para indicações dramáticas, se perdem em imagens gratuitas. O que
parece ter levado o autor a escrever a peça, está resumido ao final, quando um
personagem conclui que tudo aquilo (relações passadas, dores de perdas,
lembranças engolfadas por tsunamis existenciais), nada mais é do que o fim de
uma época, a da juventude. Na direção, Pedro Brício preferiu acentuar o humor,
mais do que estabelecer contraponto onírico que, talvez pudesse segurar melhor a dispersão. De certa
forma, a direção de arte de Rui Cortez supre essa ausência, com cenografia
evocativa. O elenco não tem como evitar a instabilidade do texto, solto em meio
ao humor deslocado de uns, perdido no implausível diálogo de outra e algo crítico
na interpretação de alguns.
Crítica/ Academia
do Coração
Flávio Marinho pode ser considerado um
comediógrafo, na acepção que se atribuía a dramaturgos na primeira metade do século
passado que escreviam, com exclusividade, no gênero. Em quase 30 anos, Marinho
construiu obra em duas dezenas de textos que se mantêm fiel à sua escolha
autoral. Academia do Coração, em cena
no Teatro Maison de France, permanece na mesma linha, na qual à comédia tradicional
de costumes acrescentam-se algum sentimentalismo e contidas observações sobre
comportamentos de hoje. No texto atual, Marinho ambienta numa academia de medicina
esportiva grupo de cardíacos que se empenham, com maior ou menor dedicação, em
exercícios de recuperação, administrados por médica autoritária. A convivência
ocasional faz com que eventuais
confidências se misturem a piadinhas sobre os casos médicos individuais, o
envelhecimento, medicamentos e pouco mais além de tais banalidades. A chegada
de jovem recém transplantado faz com que o seu bom mocismo interferia e modifique
a vida de cada um dos pacientes-ginastas.
Esse anjo protetor, cheio de conselhos e ditos de autoajuda, desaparece sem
deixar vestígios, deixando o grupo no céu da tranquilidade, resolvendo as queixas e frustrações de todos. Com
artificialidade e excesso de rótulos, a comédia não projeta o humor que se
supõe deveriam ter os diversos tipos, que nos três quadros de mudança de tempo,
repetem as mesmas e rotineiras piadas. Os conselhos do jovem soam como um
manual de otimismo que não escapa do piegas. Na direção, Flávio Marinho é
servil ao autor Flávio Marinho, ampliando em cena o que o texto já avançava. Os
atores carregam na tipificação, com Cristina Pereira repetindo-se, Bia Nunes
sem encontrar o humor, Ernani Moraes pouco à vontade, Sandro Christopher exibindo
a voz, Renato Reston apagado, e Arlindo Lopes dando exagerada credibilidade ao
que que diz.
Crítica/ Sonhos
de um Sedutor
A autoria e a versão cinematográfica revelam a
tendência para superestimar essa peça de Woody Allen, que com direção de
Ernesto Piccolo está em cartaz no Teatro Ipanema. Pode até ser divertida a
tentativa constante e repetitiva de um neurótico e hipocondríaco para encontrar
namorada, depois de ser abandonado pela mulher. Essa projeção do próprio Woody,
entre a ajuda da mulher de seu melhor amigo e conversas com a imagem e a
experiência de Humphrey Bogart em conquistas femininas, Allan (esse é o nome do
personagem, quase o mesmo de seu criador) investe em várias possibilidades, sem
êxito, até que se percebe apaixonado pela amiga Linda (a que se dispôs a
ajuda-lo na busca). Explorando o temperamento e as obsessões (cinema,
psicanálise, insegurança emocional) do ator e diretor de Manhattan, a comédia circula por todas as suas idiossincrasias
afetivas e mediações com a magia da tela, num tributo auto referenciado a si
mesmo. A situação central sobrevive ao desgaste dos previsíveis desdobramentos
pela personalidade mimetizada do personagem verdadeiro, caso contrário os intermitentes
e frenéticos monólogos de Allan seriam nada mais do que mecanização compulsiva de
palavras. Ernesto Piccolo costura a montagem, procurando manter o ritmo agitado,
que nem sempre é possível pela queda natural do texto, concentrando o humor na
interpretação de George Sauma. O aspecto mais Zelig (a presença de Bogart) se torna algo secundário pelo diretor não
lhe ter dado melhor acabamento. Heitor Martinez, tanto é o Bogart posado,
quando o marido displicente. Georgiana Góes se multiplica em muitos tipos,
enquanto Luana Piovani se comporta como uma presença.
George Sauma se mostra ágil na demonstração exibicionista de habilidades.
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