segunda-feira, 25 de novembro de 2013

39ª Semana da Temporada 2013


Estilos de Musicais

Crítica/ Elis, A Musical
Elegia ao talento com ótima trilha sonora
 Evocativo.  Nelson Motta e Patrícia Andrade que escreveram o musical-tributo a Elis Regina, em cartaz no Oi Casa Grande, seguem cronologicamente a carreira da cantora sem cair na armadilha de  superdimensionar dramaticamente a personagem para valorizá-la como narrativa teatral. A vida se molda pela carreira, e a ambientação pelo tempo em que Elis consolidou a sua trajetória na música brasileira. Os autores, sem quaisquer paralelismos fáceis, contrapõem início e bossa nova, cerco político e decisões artísticas, sucesso e contradições existenciais, estruturando um musical que intercala história e canções com equilibrada dosagem. Se o primeiro ato pode, eventualmente, ser considerado um tanto carregado de informações, o segundo, compacto, enxuto, emocional, compensa possíveis derramamentos iniciais. Elis, A Musical é mais evocativo do que biográfico, mais elegia do que homenagem, e que tem ainda a seu favor repertório de alto nível, registro de momento privilegiado da MPB. O diretor Denis Carvalho acondicionou com sensibilidade de espetáculo o material dramatúrgico, ajustando o formato ao significado de exibição, show e efeito, tirando partido da fórmula naquilo que melhor oferece para ser explorado. As cenas em que se utiliza o palco elevado (a dos soldados e a que rememora shows) e as coreografias com os manequins e no salão de beleza guardam referências de outras montagens, o que somente contribui para solidificar a assinatura de Carvalho na sua estreia na direção teatral. A estética discreta do cenário de Marcos Flaksman e o figurino impecável de Marília Carneiro são apoiados pela iluminação de Maneco Quinderé. A luz de Quinderé alcança em duas cenas a perfeita interpretação do que as imagens pretendem simbolizar: na abertura, com Elis de costas para a plateia, e no final, no monólogo da entrevista. O conjunto de músicos e a direção musical de Délia Fischer são outros pontos de destaque. Laira Galin está bem distante da ideia de incorporar Elis Regina. A atriz interpreta com vigor e técnica vocal uma cantora com grife histórica, revivendo timbre e temperamento sem recorrer a atuação fotográfica. Felipe Camargo é um Ronaldo Bôscoli na medida e Claudio Lins um Cesar Camargo Mariano com extensão de voz. Ícaro Silva (Jair Rodrigues), Danilo Timm (Lennie Dale), Leo Diniz (Tom Jobim), Caike Luna (Luiz Carlos Miele), Rafael de Castro (Marcos Lázaro), Peter Boos (Henfil) e o coro completam, harmoniosamente, o ensemble deste agradável musical.   


Crítica/ Cazuza, Pro Dia Nascer Feliz, O Musical
Rebeldia difusa faz sombra à poética
Temperamental.  O texto de Aloisio de Abreu para o musical em cartaz no Teatro Net Rio foi baseado, e não só, no livro da mãe do cantor e compositor, Lucinha Araujo, Só As Mães São Felizes. É a partir deste eixo emulador que Abreu escreveu o espetáculo-exposição em que o depoimento materno é a expressão dominante da curta vida do arrebatado criador, na poesia e na vida. O temperamento intenso e a voracidade de existir, que se confundiam com as canções, numa rebeldia difusa que investia no rompimento de limites, sempre protegidos pelas asas paternas, se deixam ver no musical dirigido por João Fonseca. A história do músico sob a ótica familiar se transforma em painel musical, embalado pelos acontecimentos que impulsionaram a existência de Cazuza, com um detalhamento (a impressão é de que se quis preservar ao máximo o conteúdo do livro) que esgarça a duração do espetáculo. O excesso de pormenores, que caberiam melhor em outro formato que não o do musical, acaba por estender a trama em detrimento de maior integração com a poética do letrista. A explosão criativa, que está associada aos momentos de vida, e que surgem, sem dúvida, em vários momentos, não alcançam autonomia expressiva capaz de trazê-la para o centro da cena. João Fonseca distribui pelo espaço em planos a ação, procurando manter a agitação nas constantes mudanças de cenas e ampliando o quadro, com a distribuição coreográfica do elenco nos números musicais. A direção musical de Daniel Rocha ressalta a qualidade da banda e dos atores, e o figurino de Carol Lobato veste com propriedade os personagens em sua época: os mutantes anos 80. O elenco de 16 atores, em maiores ou menores intervenções, está marcado por composições físicas que sugerem, quase como imitações, as figuras reais que interpretam. Emílio Dantas é um Cazuza em que o gestual e os trejeitos de corpo se assemelham bastante aos do compositor, mas o ator, com voz que lembra e não copia o timbre original, impõe segurança na atuação e demonstra presença em palco. Yasmin Gomlevsky é levada a caricaturar Bebel Gilberto, reduzida à tipificação de contornos ridículos. André Dias, como Ezequiel Neves, também mimetiza exteriormente, criando apenas um boneco. Os demais atores, entre eles, os corretos Susana Ribeiro (Lucinha Araujo) e Marcelo Varzea (João Araujo), investem nesta linha imitatória com resultados bem discutíveis.               

Crítica/ Clementina, Cadê Você?
 
Sem rumo para encontrar Clementina
Biográfico.  Pedro Murad, que escreveu esse musical de bolso em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, fez uma recolha biográfica-etnográfica da vida e carreira de Clementina de Jesus, neta de escravos, descoberta em festa religiosa aos 63 anos, cantando louvores e jongos. A peculiaridade da ex-empregada doméstica com repertório que ressoa cultura negra e suburbana cariocas, de voz peculiar, está projetada, timidamente, na montagem dirigida por Duda Maia. Menos pelas opções formais da direção, e mais pelo tratamento dado pelo autor ao material de pesquisa com o qual construiu a narrativa. É por demais evidente que a pesquisa foi a condutora da escrita, sem que tenha sido depurada por filtro que rompesse o dualismo cronologia e homenagem, e dimensionasse personagem e ambientação. Não que Clementina seja apresentada com a distância da reverência, sua face humana aparece associada às vivências culturais e religiosas formadoras, mas são aprisionadas pelo factual, que prevalece sobre qualquer visão (dramática ou cultural). De certa maneira, o musical se reduz à seriação de músicas com cenas que se interpõem à trilha, sublinhando, ora com humor, ora com toques melodramáticos, os dados biográficos. A diretora faz um arranjo cênico de desenho coreográfico, com grande movimentação dos quadros, o que garante certa agilidade, mas que esquematiza ainda mais o pouco adensamento do texto. Os atores – Bruno Barreto, Bruno Quixotte, Sergio Kauffmann, Vidal Assis e Wendell Bandelack _ se multiplicam em figuras conhecidas e pastoras, servindo às mudanças constantes de cenas e formando o interveniente coro. Ana Carbatti foge à tentação de compor, física e vocalmente, Clementina de Jesus. Se sob esse aspecto, pode-se considerar uma escolha prudente, por outro, afasta a sua interpretação de recriação vivificada para que surja no palco, não somente no figurino e na esbelta figura da atriz, traços definidores de Clementina.    

Crítica/ Zé Trindade – A Última Chanchada
Bordões e trejeitos de comicidade meta-celestial
Cômico.  Artur Xexéo, autor do musical em cartaz no Centro Cultural dos Correios, expõe em cena as dificuldades de biografar o comediante de cinema que protagonizou dezenas de chanchadas ao longo de décadas. Xexéo investiu em negativas e oposições para escrever a comédia com música que, antes de historiar o personagem, aborda a sua figura por aquilo que provoca como críticas à sua carreira profissional. Machista, cômico de bordão único, compositor de marchinhas carnavalescas inexpressivas, é o Zé Trindade que surgia diante do autor incumbido de escrever texto a ser encenado e cuja vida não provocava qualquer estímulo (“teatro é conflito”, assinala). Talvez tenham sido essas razões pelas quais a ação se transfere para o céu, aonde está instalado na nuvem dos comediantes, Zé Trindade e tantos outros atores do gênero (de Dercy Gonçalves a Charles Chaplin). Enviado de volta para  alcançar a graça de conquistar a realização de um desejo, Zé se vê diante de um autor com dificuldades de escrever peça de encomenda sobre sua vida. Com as próprias dificuldades de atender ao pedido e incorporando as críticas circulantes sobre a carreira do comediante, Xexéo transfere para a cena o que se imagina ter enfrentado na elaboração da escrita. João Fonseca conduz o espetáculo, destacando os tipos como em um painel de figuras caricatas, que se apresentam em quadros sucessivos, assemelhados a cortinas (atuação dos cômicos no proscênio nas antigas revistas da Praça Tiradentes). O diretor nem sempre administra com habilidade o volume de texto até atingir a piada e o encaixe da música no ritmo chanchadístico. Os atores se idenficam, parcialmente, com o sotaque cômico-musical desta chanchada-meta-celestial. Paulo Mathias reproduz as entonações, trejeitos e bordões de Zé Trindade com pequena variante no mimetismo. Alice Borges investe com melhor eficácia na reinterpretação de uma Dercy Gonçalves inimitável. Rodrigo Nogueira não está muito à vontade, especialmente na figura de Chaplin. Helga Nemeckzy reafirma a sua presença cênica e poderosa extensão vocal. Rodrigo Fagundes, Alexandre Pinheiro, Nêga e Luisa Viotti não se integram à comicidade pretendida.    
Crítica/ 1958 – A Bossa do Mundo É Nossa
Anuário nostálgico de um tempo idealizado
Nostálgico.  Baseado no livro Feliz 1958 – O Ano Que Não Devia Terminar, de Joaquim Ferreira dos Santos, a adaptação em cartaz no Teatro Laura Alvim foi transformada pelo roteirista e diretor André Paes Leme em anuário- nostálgico-musical. Os acontecimentos daquele ano, que tanto o livro quanto a peça desejam registrar com imagens idílicas de irretocável bem-estar e felicidade nacional, se sucedem a partir da torcida pela vitória brasileira na Copa de 58, afinal vencida pela nossa seleção. Os quadros são marcados pela efusão dos torcedores, a cada um dos jogos em que o Brasil avança até aos 5x2 contra a Suécia. Os comentários ligeiros, quase citações aos fatos, incluem concursos de misses, costumes dos jovens e suas lambretas,  construção da capital no Planalto Central e novos ares no teatro paulista, e velhos escândalos no teatro carioca. E entre tantos fait-divers não ficaram de fora a lembrança de cantarolar jingles publicitários e de manusear objetos atualmente descartados, como máquina de escrever e enceradeira. Não há qualquer pretensão de ultrapassar o saudosimo  de uma época idealizada, e mesmo com a roteirização que pocura estabelecer relativa ligação entre os quadros, pouco se consegue para além de sequenciação das referências, ilustradas com música. 1958 sofre de um certo hibridismo no gênero. Sem ser, estritamente uma comédia musical, não chega a ser um musical tout court, ainda menos uma revista, se parece mais com show de variedades com um melhor empacotamento. Em que pese a qualidade dos profissionais envolvidos, da coreografia aos figurinos, da iluminação ao videografismo e aos músicos, a montagem tem alcance bem modesto: restrita formalmente e tímida tecnicamente. O elenco masculino – Diego Abreu, Leandro Castilho e Matheus Lima – se desdobra entre o canto e o humor, sem maiores destaques. O feminino tem em Daniela Fontan e Bianca Byngton provas de miscasting, enquanto Andrea Veiga revela agradável timbre para o canto.    
Crítica/ Pacto – Relações Podem Ser Fatais
Drama que deixa a plateia com pigarro
Dramático.  Esse musical americano que está em cartaz no Teatro Sesi é baseado em fato real, acontecido nos Estados Unidos na década de 20 do século passado. Dois jovens que, através de relacionamento doentio de dominação e sujeição, cometem assassinato, estendem a convivência dos anos da juventude aos desdobramentos na prisão até ao desfecho algo surpreendente da amizade. A experiência desta ligação e as ações praticadas como exercício de manipulação e dependência do desejo são a base sobre o qual o autor Stephen Dolginoff transferiu o drama para a linguagem musical. A transposição de entrecho psicológico para o gênero identificado com diversão e escapismo é, não só possível, como inteiramente viável. Basta lembrar alguns (senão todos) musicais de Stephen Sondheim. Neste caso, a acomodação não foi tão confortável, menos pela trama, e mais pela trilha que mostra resistência em sonorizar o dramático. As músicas, com letras descritivas, que sugerem dialogação, enfraquecem o desenvolvimento da ação e esmaecem as nuances psicológicas. Ainda que as músicas não sejam marcantes, e não deveriam mesmo o ser, ao menos têm um caráter mais elaborado harmonicamente, ainda que insuficiente para acomodar as palavras pouco audíveis teatralmente. A importação desse texto, visceralmente americano na trama e no gênero, deixa dúvidas sobre a oportunidade de encená-lo por aqui. O diretor Ivan Sugahara  bem que se esforçou para compatibilizar drama e música, numa montagem, necessariamente sombria e fincada na tensão. Sugahara até avança em algumas cenas no sentido de superar a dicotomia original, com o despojamento cenográfico, o desenho cênico delineado pela iluminação e a contenção dos atores. Não é o bastante para que Pacto adquira corpo e força, e para que a cada introdução musical o espectador não  pigarreie e o interesse da plateia diminua em proporção inversa ao que acontece no palco. André Loddi com boa presença e voz encorpada demonstra maior segurança do que Gabriel Salabert, que tem apenas interpretação empenhada.       
                                                       macksenr@gmail.com