quarta-feira, 13 de novembro de 2013

38ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ Vênus de Visom
Casal em movimentos pendulares de atração e rejeição
Na origem deste texto de David Ives está o romance Vênus de Visom, de Sacher-Masoch, escrito no final do século XIX com a carga de variantes jogos sexuais. A ação se passa em Nova Iorque, no final da jornada de um autor e diretor da peça inspirada no livro e na vida de Masoch para escolher a atriz que interpretará a personagem da escritora que, a seu lado, ensaia os papéis dúbios de relações perigosamente dominadoras. São três planos: o da narrativa inspiradora, do texto do autor e da encenação entre a atriz e o diretor. Nem sempre esse paralelismo ganha realidade dramática, já que a presença algo intempestiva e inverossímil da postulante ao casting não sustenta o posterior conhecimento detalhado do original pela intérprete que se mostra apenas avoada e inconsequente na chegada. O desenvolvimento pendular de rejeição e atração acaba por estabelecer troca de funções, entre dominador e dominado, torturador e torturado,  prazer e masoquismo, em crescente intensidade no desempenho dessas posições. A narrativa se torna reducionista a essa distribuição de atitudes que rompem com pudores e moralismo sexual, e fica restrita à exposição de atos transgressores e frágeis quanto a razões que os impulsionam. Com o amplo e bem ambientado cenário de Bia Junqueira, com figurino elegante demais para a atriz, iluminação adequada de Paulo César Medeiros e boa tradução de Daniele Ávila Small, a montagem de Hector Babenco está revestida de sólido aparato que acondiciona a interpretação do casal de atores. Ainda que falte ao texto maior densidade, os atores se empenham em avolumar o que o material dramático oferece apenas parcialmente. Pierre Baitelli está hesitante no início, mas vai ganhando maior desenvoltura ao longo do espetáculo em cartaz no Teatro do Leblon, se mostrando mais seguro nos embates mais provocativos com a sua companheira de  cena. Bárbara Paz defende com garra a atriz nova-iorquina cheia de clichês de atrizes nova-iorquinas, a princípio com intensidade maior do que seria plausível, mas que depois ajusta seu ritmo de atuação ao tom das tensões da personagem.  

CríticaFluxorama
O que interliga os três textos de Jô Bilac  a este fluxo de narrativas é a forma como foram levados à cena no Oi Futuro do Flamengo. Os atores – Rita Clemente, Inez Viana e Vinícius Arneiro – se revezam no palco nas funções de intérpretes e de direrores, uns dirigindo os outros num intercâmbio de estilos que resulta em unidade cênica. Há em comum aos textos, situações limítrofes de impossibilidades, aquelas em que se perde o domínio físico e se procura, por pressão social, atingir padrões externos, ou ter a consciência do fim ao se deparar com a solidão de um acidente. No primeiro monólogo, no qual Inez Viana dirige Rita Clemente, há muito de Beckett na mulher que, progressivamente, perde cada um dos sentidos, ainda que seja capaz de continuar a manter o cotidiano. O percurso a ser vencido, entre a burguesa poltrona e o bule de chá, é o tempo possível de percepção de tantas falhas de um mundo que se esvanece. Nesta linha becketiana, a direção com a colaboração da cenografia que empacota a cena com tecido que cria resistência aos movimentos, Rita Clemente avança com gestos que exploram essa dificuldade e provocam imagem de tensão e de crescentes ausências. No segundo quadro, Rita assume a direção para que Vinícius Arneiro interprete o homem preso nas ferragens de um carro, nos momentos decisivos do desaparecimento das lembranças e da própria existência. Talvez com o viés mais dramático entre todos, o monólogo é encenado num tom próximo ao realismo, o que o dispositivo cenográfico (estrutura corporal composta de peças de automóvel) não colabora para romper. Na terceira performance, com atuação de Inez e direção de Arneiro, a atriz empreende tour-de-force ao percorrer o palco em permanente corrida, projetando a voz da mulher que pretende cumprir até o final a maratona paulista de São Silvestre. Inez Viana, além de demonstrar resistência e fôlego, encontra o ritmo e o ponto de inflexão de quem é impelida pela superação.           
Crítica/ Deixa Que Eu Te Ame
Retrato melancólico de uma geração de ideais perdidos
O último texto teatral de Alcione Araújo, morto há um ano, reverba, agora que está em cartaz no Teatro Eva Herz, com direção de Aderbal Freire-Filho, como uma avaliação do triste legado dos ideais perdidos de uma geração. Os casais que se encontram num restaurante-bar do Leblon, no qual se reuniam no passado e inventavam utopias de futuro, hoje são retratos estiolados de melancólicas mazelas que assombram o país. A corrupção política e econômica, os desvios éticos e a moralidade ajustada às conveniências se revelam nesta longa noite de desilusões, individuais e coletivas, para quem como eles, estão comprometidos, irremediavelmente, com a esgarçada teia social. Com diálogos marcados pela coloquialidade de conversas de bar, os casais, e a onipresente consciência operária do garçom, se deixam levar pelo bolerão em que se tornaram as suas vidas. O diretor Freire-Filho preferiu dançar ao som de outra música, o tango, que marca a evolução do tempo como sonoridade e quebras narrativas (o uso de microfone para falas diretas com a plateia é recurso suplementar para comentar a ação). Nesta encenação conduzida pelos passos e gestos arrebatados do tango, à semelhança do largo espectro das situações vividas pelos avizinhados personagens rodriguianos, o diretor compõe esse baile existencial como uma dança das cadeiras de sentimentos. O cenário de Fernando Mello da Costa, cheio delas, ajuda a movimentar, ao lado da música de Edu Lobo, o centro narrativo, buscando quebrar com a excessiva dialogação. Ainda assim, não se evita a diluição do clima emocional e o esgarçamento do ritmo. Solange Badin imprime um ar um tanto sofisticado demais para a frustrada pianista. Isabel Lobo se mantém num mesmo tom, enfraquecendo as reações da mulher do politico. Bella Camero, como a adolescente de 16 anos, não supera a inconsistência da garota. Mesmo diante da dificuldade de interpretar o  equemático traficante, Oscar Saraiva se defende bem. Cândido Damm assume a pantomima no garçom-mestre de cerimônias. Paulo Giardini se apóia numa atuação contida, enquanto Paulo Tiefenthaler adota o oposto: faz um cafageste expansivo.
                                                macksenr@gmail.com