Crítica/ Vênus de
Visom
Casal em movimentos pendulares de atração e rejeição |
Na origem deste texto de David Ives está o
romance Vênus de Visom, de
Sacher-Masoch, escrito no final do século XIX com a carga de variantes jogos
sexuais. A ação se passa em Nova Iorque, no final da jornada de um autor e
diretor da peça inspirada no livro e na vida de Masoch para escolher a atriz
que interpretará a personagem da
escritora que, a seu lado, ensaia os
papéis dúbios de relações perigosamente dominadoras. São três planos: o da
narrativa inspiradora, do texto do autor e da encenação entre a atriz e o
diretor. Nem sempre esse paralelismo ganha realidade dramática, já que a
presença algo intempestiva e inverossímil da postulante ao casting não sustenta o posterior conhecimento detalhado do original
pela intérprete que se mostra apenas avoada e inconsequente na chegada. O
desenvolvimento pendular de rejeição e atração acaba por estabelecer troca de
funções, entre dominador e dominado, torturador e torturado, prazer e masoquismo, em crescente intensidade no
desempenho dessas posições. A narrativa se torna reducionista a essa
distribuição de atitudes que rompem com pudores e moralismo sexual, e fica
restrita à exposição de atos transgressores e frágeis quanto a razões que os impulsionam.
Com o amplo e bem ambientado cenário de Bia Junqueira, com figurino elegante
demais para a atriz, iluminação adequada de Paulo César Medeiros e boa tradução
de Daniele Ávila Small, a montagem de Hector Babenco está revestida de sólido
aparato que acondiciona a interpretação do casal de atores. Ainda que falte ao
texto maior densidade, os atores se empenham em avolumar o que o material
dramático oferece apenas parcialmente. Pierre Baitelli está hesitante no
início, mas vai ganhando maior desenvoltura ao longo do espetáculo em cartaz no
Teatro do Leblon, se mostrando mais seguro nos embates mais provocativos com a
sua companheira de cena. Bárbara Paz
defende com garra a atriz nova-iorquina cheia de clichês de atrizes
nova-iorquinas, a princípio com intensidade maior do que seria plausível, mas
que depois ajusta seu ritmo de atuação ao tom das tensões da personagem.
Crítica/ Fluxorama
O que interliga
os três textos de Jô Bilac a este fluxo
de narrativas é a forma como foram levados à cena no Oi Futuro do Flamengo. Os
atores – Rita Clemente, Inez Viana e Vinícius Arneiro – se revezam no palco nas
funções de intérpretes e de direrores, uns dirigindo os outros num intercâmbio de
estilos que resulta em unidade cênica.
Há em comum aos textos, situações limítrofes de impossibilidades, aquelas em
que se perde o domínio físico e se procura, por pressão social, atingir padrões
externos, ou ter a consciência do fim ao se deparar com a solidão de um
acidente. No primeiro monólogo, no qual Inez Viana dirige Rita Clemente, há
muito de Beckett na mulher que, progressivamente, perde cada um dos sentidos,
ainda que seja capaz de continuar a manter o cotidiano. O percurso a ser vencido,
entre a burguesa poltrona e o bule de chá, é o tempo possível de percepção de
tantas falhas de um mundo que se esvanece. Nesta linha becketiana, a direção
com a colaboração da cenografia que empacota a cena com tecido que cria
resistência aos movimentos, Rita Clemente avança com gestos que exploram essa
dificuldade e provocam imagem de tensão e de crescentes ausências. No segundo quadro,
Rita assume a direção para que Vinícius Arneiro interprete o homem preso nas
ferragens de um carro, nos momentos decisivos do desaparecimento das lembranças
e da própria existência. Talvez com o viés mais dramático entre todos, o
monólogo é encenado num tom próximo ao realismo,
o que o dispositivo cenográfico (estrutura corporal composta de peças de
automóvel) não colabora para romper. Na terceira performance, com atuação de Inez e direção de Arneiro, a atriz
empreende tour-de-force ao percorrer
o palco em permanente corrida, projetando a voz da mulher que pretende cumprir
até o final a maratona paulista de São Silvestre. Inez Viana, além de
demonstrar resistência e fôlego, encontra o ritmo e o ponto de inflexão de quem
é impelida pela superação.
Crítica/ Deixa Que Eu
Te Ame
Retrato melancólico de uma geração de ideais perdidos |
O último texto
teatral de Alcione Araújo, morto há um ano, reverba, agora que está em cartaz
no Teatro Eva Herz, com direção de Aderbal Freire-Filho, como uma avaliação do
triste legado dos ideais perdidos de uma geração. Os casais que se encontram
num restaurante-bar do Leblon, no qual se reuniam no passado e inventavam
utopias de futuro, hoje são retratos estiolados de melancólicas mazelas que
assombram o país. A corrupção política e econômica, os desvios éticos e a
moralidade ajustada às conveniências se revelam nesta longa noite de desilusões,
individuais e coletivas, para quem como eles, estão comprometidos,
irremediavelmente, com a esgarçada teia social. Com diálogos marcados pela
coloquialidade de conversas de bar, os casais, e a onipresente consciência operária do garçom, se
deixam levar pelo bolerão em que se
tornaram as suas vidas. O diretor Freire-Filho preferiu dançar ao som de outra
música, o tango, que marca a evolução do tempo como sonoridade e quebras
narrativas (o uso de microfone para falas diretas com a plateia é recurso
suplementar para comentar a ação). Nesta
encenação conduzida pelos passos e gestos arrebatados do tango, à semelhança do
largo espectro das situações vividas pelos avizinhados personagens
rodriguianos, o diretor compõe esse baile existencial como uma dança das cadeiras
de sentimentos. O cenário de Fernando Mello da Costa, cheio delas, ajuda a
movimentar, ao lado da música de Edu Lobo, o centro narrativo, buscando quebrar
com a excessiva dialogação. Ainda assim, não se evita a diluição do clima
emocional e o esgarçamento do ritmo. Solange Badin imprime um ar um tanto sofisticado demais para a frustrada
pianista. Isabel Lobo se mantém num mesmo tom, enfraquecendo as reações da
mulher do politico. Bella Camero, como a adolescente de 16 anos, não supera a inconsistência
da garota. Mesmo diante da dificuldade de interpretar o equemático traficante, Oscar Saraiva se
defende bem. Cândido Damm assume a pantomima no garçom-mestre de cerimônias.
Paulo Giardini se apóia numa atuação contida, enquanto Paulo Tiefenthaler adota
o oposto: faz um cafageste expansivo.
macksenr@gmail.com