segunda-feira, 25 de novembro de 2013

39ª Semana da Temporada 2013


Estilos de Musicais

Crítica/ Elis, A Musical
Elegia ao talento com ótima trilha sonora
 Evocativo.  Nelson Motta e Patrícia Andrade que escreveram o musical-tributo a Elis Regina, em cartaz no Oi Casa Grande, seguem cronologicamente a carreira da cantora sem cair na armadilha de  superdimensionar dramaticamente a personagem para valorizá-la como narrativa teatral. A vida se molda pela carreira, e a ambientação pelo tempo em que Elis consolidou a sua trajetória na música brasileira. Os autores, sem quaisquer paralelismos fáceis, contrapõem início e bossa nova, cerco político e decisões artísticas, sucesso e contradições existenciais, estruturando um musical que intercala história e canções com equilibrada dosagem. Se o primeiro ato pode, eventualmente, ser considerado um tanto carregado de informações, o segundo, compacto, enxuto, emocional, compensa possíveis derramamentos iniciais. Elis, A Musical é mais evocativo do que biográfico, mais elegia do que homenagem, e que tem ainda a seu favor repertório de alto nível, registro de momento privilegiado da MPB. O diretor Denis Carvalho acondicionou com sensibilidade de espetáculo o material dramatúrgico, ajustando o formato ao significado de exibição, show e efeito, tirando partido da fórmula naquilo que melhor oferece para ser explorado. As cenas em que se utiliza o palco elevado (a dos soldados e a que rememora shows) e as coreografias com os manequins e no salão de beleza guardam referências de outras montagens, o que somente contribui para solidificar a assinatura de Carvalho na sua estreia na direção teatral. A estética discreta do cenário de Marcos Flaksman e o figurino impecável de Marília Carneiro são apoiados pela iluminação de Maneco Quinderé. A luz de Quinderé alcança em duas cenas a perfeita interpretação do que as imagens pretendem simbolizar: na abertura, com Elis de costas para a plateia, e no final, no monólogo da entrevista. O conjunto de músicos e a direção musical de Délia Fischer são outros pontos de destaque. Laira Galin está bem distante da ideia de incorporar Elis Regina. A atriz interpreta com vigor e técnica vocal uma cantora com grife histórica, revivendo timbre e temperamento sem recorrer a atuação fotográfica. Felipe Camargo é um Ronaldo Bôscoli na medida e Claudio Lins um Cesar Camargo Mariano com extensão de voz. Ícaro Silva (Jair Rodrigues), Danilo Timm (Lennie Dale), Leo Diniz (Tom Jobim), Caike Luna (Luiz Carlos Miele), Rafael de Castro (Marcos Lázaro), Peter Boos (Henfil) e o coro completam, harmoniosamente, o ensemble deste agradável musical.   


Crítica/ Cazuza, Pro Dia Nascer Feliz, O Musical
Rebeldia difusa faz sombra à poética
Temperamental.  O texto de Aloisio de Abreu para o musical em cartaz no Teatro Net Rio foi baseado, e não só, no livro da mãe do cantor e compositor, Lucinha Araujo, Só As Mães São Felizes. É a partir deste eixo emulador que Abreu escreveu o espetáculo-exposição em que o depoimento materno é a expressão dominante da curta vida do arrebatado criador, na poesia e na vida. O temperamento intenso e a voracidade de existir, que se confundiam com as canções, numa rebeldia difusa que investia no rompimento de limites, sempre protegidos pelas asas paternas, se deixam ver no musical dirigido por João Fonseca. A história do músico sob a ótica familiar se transforma em painel musical, embalado pelos acontecimentos que impulsionaram a existência de Cazuza, com um detalhamento (a impressão é de que se quis preservar ao máximo o conteúdo do livro) que esgarça a duração do espetáculo. O excesso de pormenores, que caberiam melhor em outro formato que não o do musical, acaba por estender a trama em detrimento de maior integração com a poética do letrista. A explosão criativa, que está associada aos momentos de vida, e que surgem, sem dúvida, em vários momentos, não alcançam autonomia expressiva capaz de trazê-la para o centro da cena. João Fonseca distribui pelo espaço em planos a ação, procurando manter a agitação nas constantes mudanças de cenas e ampliando o quadro, com a distribuição coreográfica do elenco nos números musicais. A direção musical de Daniel Rocha ressalta a qualidade da banda e dos atores, e o figurino de Carol Lobato veste com propriedade os personagens em sua época: os mutantes anos 80. O elenco de 16 atores, em maiores ou menores intervenções, está marcado por composições físicas que sugerem, quase como imitações, as figuras reais que interpretam. Emílio Dantas é um Cazuza em que o gestual e os trejeitos de corpo se assemelham bastante aos do compositor, mas o ator, com voz que lembra e não copia o timbre original, impõe segurança na atuação e demonstra presença em palco. Yasmin Gomlevsky é levada a caricaturar Bebel Gilberto, reduzida à tipificação de contornos ridículos. André Dias, como Ezequiel Neves, também mimetiza exteriormente, criando apenas um boneco. Os demais atores, entre eles, os corretos Susana Ribeiro (Lucinha Araujo) e Marcelo Varzea (João Araujo), investem nesta linha imitatória com resultados bem discutíveis.               

Crítica/ Clementina, Cadê Você?
 
Sem rumo para encontrar Clementina
Biográfico.  Pedro Murad, que escreveu esse musical de bolso em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, fez uma recolha biográfica-etnográfica da vida e carreira de Clementina de Jesus, neta de escravos, descoberta em festa religiosa aos 63 anos, cantando louvores e jongos. A peculiaridade da ex-empregada doméstica com repertório que ressoa cultura negra e suburbana cariocas, de voz peculiar, está projetada, timidamente, na montagem dirigida por Duda Maia. Menos pelas opções formais da direção, e mais pelo tratamento dado pelo autor ao material de pesquisa com o qual construiu a narrativa. É por demais evidente que a pesquisa foi a condutora da escrita, sem que tenha sido depurada por filtro que rompesse o dualismo cronologia e homenagem, e dimensionasse personagem e ambientação. Não que Clementina seja apresentada com a distância da reverência, sua face humana aparece associada às vivências culturais e religiosas formadoras, mas são aprisionadas pelo factual, que prevalece sobre qualquer visão (dramática ou cultural). De certa maneira, o musical se reduz à seriação de músicas com cenas que se interpõem à trilha, sublinhando, ora com humor, ora com toques melodramáticos, os dados biográficos. A diretora faz um arranjo cênico de desenho coreográfico, com grande movimentação dos quadros, o que garante certa agilidade, mas que esquematiza ainda mais o pouco adensamento do texto. Os atores – Bruno Barreto, Bruno Quixotte, Sergio Kauffmann, Vidal Assis e Wendell Bandelack _ se multiplicam em figuras conhecidas e pastoras, servindo às mudanças constantes de cenas e formando o interveniente coro. Ana Carbatti foge à tentação de compor, física e vocalmente, Clementina de Jesus. Se sob esse aspecto, pode-se considerar uma escolha prudente, por outro, afasta a sua interpretação de recriação vivificada para que surja no palco, não somente no figurino e na esbelta figura da atriz, traços definidores de Clementina.    

Crítica/ Zé Trindade – A Última Chanchada
Bordões e trejeitos de comicidade meta-celestial
Cômico.  Artur Xexéo, autor do musical em cartaz no Centro Cultural dos Correios, expõe em cena as dificuldades de biografar o comediante de cinema que protagonizou dezenas de chanchadas ao longo de décadas. Xexéo investiu em negativas e oposições para escrever a comédia com música que, antes de historiar o personagem, aborda a sua figura por aquilo que provoca como críticas à sua carreira profissional. Machista, cômico de bordão único, compositor de marchinhas carnavalescas inexpressivas, é o Zé Trindade que surgia diante do autor incumbido de escrever texto a ser encenado e cuja vida não provocava qualquer estímulo (“teatro é conflito”, assinala). Talvez tenham sido essas razões pelas quais a ação se transfere para o céu, aonde está instalado na nuvem dos comediantes, Zé Trindade e tantos outros atores do gênero (de Dercy Gonçalves a Charles Chaplin). Enviado de volta para  alcançar a graça de conquistar a realização de um desejo, Zé se vê diante de um autor com dificuldades de escrever peça de encomenda sobre sua vida. Com as próprias dificuldades de atender ao pedido e incorporando as críticas circulantes sobre a carreira do comediante, Xexéo transfere para a cena o que se imagina ter enfrentado na elaboração da escrita. João Fonseca conduz o espetáculo, destacando os tipos como em um painel de figuras caricatas, que se apresentam em quadros sucessivos, assemelhados a cortinas (atuação dos cômicos no proscênio nas antigas revistas da Praça Tiradentes). O diretor nem sempre administra com habilidade o volume de texto até atingir a piada e o encaixe da música no ritmo chanchadístico. Os atores se idenficam, parcialmente, com o sotaque cômico-musical desta chanchada-meta-celestial. Paulo Mathias reproduz as entonações, trejeitos e bordões de Zé Trindade com pequena variante no mimetismo. Alice Borges investe com melhor eficácia na reinterpretação de uma Dercy Gonçalves inimitável. Rodrigo Nogueira não está muito à vontade, especialmente na figura de Chaplin. Helga Nemeckzy reafirma a sua presença cênica e poderosa extensão vocal. Rodrigo Fagundes, Alexandre Pinheiro, Nêga e Luisa Viotti não se integram à comicidade pretendida.    
Crítica/ 1958 – A Bossa do Mundo É Nossa
Anuário nostálgico de um tempo idealizado
Nostálgico.  Baseado no livro Feliz 1958 – O Ano Que Não Devia Terminar, de Joaquim Ferreira dos Santos, a adaptação em cartaz no Teatro Laura Alvim foi transformada pelo roteirista e diretor André Paes Leme em anuário- nostálgico-musical. Os acontecimentos daquele ano, que tanto o livro quanto a peça desejam registrar com imagens idílicas de irretocável bem-estar e felicidade nacional, se sucedem a partir da torcida pela vitória brasileira na Copa de 58, afinal vencida pela nossa seleção. Os quadros são marcados pela efusão dos torcedores, a cada um dos jogos em que o Brasil avança até aos 5x2 contra a Suécia. Os comentários ligeiros, quase citações aos fatos, incluem concursos de misses, costumes dos jovens e suas lambretas,  construção da capital no Planalto Central e novos ares no teatro paulista, e velhos escândalos no teatro carioca. E entre tantos fait-divers não ficaram de fora a lembrança de cantarolar jingles publicitários e de manusear objetos atualmente descartados, como máquina de escrever e enceradeira. Não há qualquer pretensão de ultrapassar o saudosimo  de uma época idealizada, e mesmo com a roteirização que pocura estabelecer relativa ligação entre os quadros, pouco se consegue para além de sequenciação das referências, ilustradas com música. 1958 sofre de um certo hibridismo no gênero. Sem ser, estritamente uma comédia musical, não chega a ser um musical tout court, ainda menos uma revista, se parece mais com show de variedades com um melhor empacotamento. Em que pese a qualidade dos profissionais envolvidos, da coreografia aos figurinos, da iluminação ao videografismo e aos músicos, a montagem tem alcance bem modesto: restrita formalmente e tímida tecnicamente. O elenco masculino – Diego Abreu, Leandro Castilho e Matheus Lima – se desdobra entre o canto e o humor, sem maiores destaques. O feminino tem em Daniela Fontan e Bianca Byngton provas de miscasting, enquanto Andrea Veiga revela agradável timbre para o canto.    
Crítica/ Pacto – Relações Podem Ser Fatais
Drama que deixa a plateia com pigarro
Dramático.  Esse musical americano que está em cartaz no Teatro Sesi é baseado em fato real, acontecido nos Estados Unidos na década de 20 do século passado. Dois jovens que, através de relacionamento doentio de dominação e sujeição, cometem assassinato, estendem a convivência dos anos da juventude aos desdobramentos na prisão até ao desfecho algo surpreendente da amizade. A experiência desta ligação e as ações praticadas como exercício de manipulação e dependência do desejo são a base sobre o qual o autor Stephen Dolginoff transferiu o drama para a linguagem musical. A transposição de entrecho psicológico para o gênero identificado com diversão e escapismo é, não só possível, como inteiramente viável. Basta lembrar alguns (senão todos) musicais de Stephen Sondheim. Neste caso, a acomodação não foi tão confortável, menos pela trama, e mais pela trilha que mostra resistência em sonorizar o dramático. As músicas, com letras descritivas, que sugerem dialogação, enfraquecem o desenvolvimento da ação e esmaecem as nuances psicológicas. Ainda que as músicas não sejam marcantes, e não deveriam mesmo o ser, ao menos têm um caráter mais elaborado harmonicamente, ainda que insuficiente para acomodar as palavras pouco audíveis teatralmente. A importação desse texto, visceralmente americano na trama e no gênero, deixa dúvidas sobre a oportunidade de encená-lo por aqui. O diretor Ivan Sugahara  bem que se esforçou para compatibilizar drama e música, numa montagem, necessariamente sombria e fincada na tensão. Sugahara até avança em algumas cenas no sentido de superar a dicotomia original, com o despojamento cenográfico, o desenho cênico delineado pela iluminação e a contenção dos atores. Não é o bastante para que Pacto adquira corpo e força, e para que a cada introdução musical o espectador não  pigarreie e o interesse da plateia diminua em proporção inversa ao que acontece no palco. André Loddi com boa presença e voz encorpada demonstra maior segurança do que Gabriel Salabert, que tem apenas interpretação empenhada.       
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quarta-feira, 13 de novembro de 2013

38ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ Vênus de Visom
Casal em movimentos pendulares de atração e rejeição
Na origem deste texto de David Ives está o romance Vênus de Visom, de Sacher-Masoch, escrito no final do século XIX com a carga de variantes jogos sexuais. A ação se passa em Nova Iorque, no final da jornada de um autor e diretor da peça inspirada no livro e na vida de Masoch para escolher a atriz que interpretará a personagem da escritora que, a seu lado, ensaia os papéis dúbios de relações perigosamente dominadoras. São três planos: o da narrativa inspiradora, do texto do autor e da encenação entre a atriz e o diretor. Nem sempre esse paralelismo ganha realidade dramática, já que a presença algo intempestiva e inverossímil da postulante ao casting não sustenta o posterior conhecimento detalhado do original pela intérprete que se mostra apenas avoada e inconsequente na chegada. O desenvolvimento pendular de rejeição e atração acaba por estabelecer troca de funções, entre dominador e dominado, torturador e torturado,  prazer e masoquismo, em crescente intensidade no desempenho dessas posições. A narrativa se torna reducionista a essa distribuição de atitudes que rompem com pudores e moralismo sexual, e fica restrita à exposição de atos transgressores e frágeis quanto a razões que os impulsionam. Com o amplo e bem ambientado cenário de Bia Junqueira, com figurino elegante demais para a atriz, iluminação adequada de Paulo César Medeiros e boa tradução de Daniele Ávila Small, a montagem de Hector Babenco está revestida de sólido aparato que acondiciona a interpretação do casal de atores. Ainda que falte ao texto maior densidade, os atores se empenham em avolumar o que o material dramático oferece apenas parcialmente. Pierre Baitelli está hesitante no início, mas vai ganhando maior desenvoltura ao longo do espetáculo em cartaz no Teatro do Leblon, se mostrando mais seguro nos embates mais provocativos com a sua companheira de  cena. Bárbara Paz defende com garra a atriz nova-iorquina cheia de clichês de atrizes nova-iorquinas, a princípio com intensidade maior do que seria plausível, mas que depois ajusta seu ritmo de atuação ao tom das tensões da personagem.  

CríticaFluxorama
O que interliga os três textos de Jô Bilac  a este fluxo de narrativas é a forma como foram levados à cena no Oi Futuro do Flamengo. Os atores – Rita Clemente, Inez Viana e Vinícius Arneiro – se revezam no palco nas funções de intérpretes e de direrores, uns dirigindo os outros num intercâmbio de estilos que resulta em unidade cênica. Há em comum aos textos, situações limítrofes de impossibilidades, aquelas em que se perde o domínio físico e se procura, por pressão social, atingir padrões externos, ou ter a consciência do fim ao se deparar com a solidão de um acidente. No primeiro monólogo, no qual Inez Viana dirige Rita Clemente, há muito de Beckett na mulher que, progressivamente, perde cada um dos sentidos, ainda que seja capaz de continuar a manter o cotidiano. O percurso a ser vencido, entre a burguesa poltrona e o bule de chá, é o tempo possível de percepção de tantas falhas de um mundo que se esvanece. Nesta linha becketiana, a direção com a colaboração da cenografia que empacota a cena com tecido que cria resistência aos movimentos, Rita Clemente avança com gestos que exploram essa dificuldade e provocam imagem de tensão e de crescentes ausências. No segundo quadro, Rita assume a direção para que Vinícius Arneiro interprete o homem preso nas ferragens de um carro, nos momentos decisivos do desaparecimento das lembranças e da própria existência. Talvez com o viés mais dramático entre todos, o monólogo é encenado num tom próximo ao realismo, o que o dispositivo cenográfico (estrutura corporal composta de peças de automóvel) não colabora para romper. Na terceira performance, com atuação de Inez e direção de Arneiro, a atriz empreende tour-de-force ao percorrer o palco em permanente corrida, projetando a voz da mulher que pretende cumprir até o final a maratona paulista de São Silvestre. Inez Viana, além de demonstrar resistência e fôlego, encontra o ritmo e o ponto de inflexão de quem é impelida pela superação.           
Crítica/ Deixa Que Eu Te Ame
Retrato melancólico de uma geração de ideais perdidos
O último texto teatral de Alcione Araújo, morto há um ano, reverba, agora que está em cartaz no Teatro Eva Herz, com direção de Aderbal Freire-Filho, como uma avaliação do triste legado dos ideais perdidos de uma geração. Os casais que se encontram num restaurante-bar do Leblon, no qual se reuniam no passado e inventavam utopias de futuro, hoje são retratos estiolados de melancólicas mazelas que assombram o país. A corrupção política e econômica, os desvios éticos e a moralidade ajustada às conveniências se revelam nesta longa noite de desilusões, individuais e coletivas, para quem como eles, estão comprometidos, irremediavelmente, com a esgarçada teia social. Com diálogos marcados pela coloquialidade de conversas de bar, os casais, e a onipresente consciência operária do garçom, se deixam levar pelo bolerão em que se tornaram as suas vidas. O diretor Freire-Filho preferiu dançar ao som de outra música, o tango, que marca a evolução do tempo como sonoridade e quebras narrativas (o uso de microfone para falas diretas com a plateia é recurso suplementar para comentar a ação). Nesta encenação conduzida pelos passos e gestos arrebatados do tango, à semelhança do largo espectro das situações vividas pelos avizinhados personagens rodriguianos, o diretor compõe esse baile existencial como uma dança das cadeiras de sentimentos. O cenário de Fernando Mello da Costa, cheio delas, ajuda a movimentar, ao lado da música de Edu Lobo, o centro narrativo, buscando quebrar com a excessiva dialogação. Ainda assim, não se evita a diluição do clima emocional e o esgarçamento do ritmo. Solange Badin imprime um ar um tanto sofisticado demais para a frustrada pianista. Isabel Lobo se mantém num mesmo tom, enfraquecendo as reações da mulher do politico. Bella Camero, como a adolescente de 16 anos, não supera a inconsistência da garota. Mesmo diante da dificuldade de interpretar o  equemático traficante, Oscar Saraiva se defende bem. Cândido Damm assume a pantomima no garçom-mestre de cerimônias. Paulo Giardini se apóia numa atuação contida, enquanto Paulo Tiefenthaler adota o oposto: faz um cafageste expansivo.
                                                macksenr@gmail.com

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

37ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ A Outra Cidade
Narrativa desarticulada de tsunamis afetivos
A multiplicidade de atalhos por onde Pedro Brício procura fazer um balanço da finitude do tempo nesta A Outra Cidade, em cartaz no Teatro I do CCBB, parece o ter conduzido, mais à evasão de rumo, do que ao encontro expressivo. Há ciclos, que marcam fins, como o da existência de uma cidade, do esfumaçamento das lembranças, das mudanças determinadas pela idade e o definitivo, a morte. Uma cidade austral de uma vaga Argentina vive a ameaça iminente de um tsunami que a condena ao desaparecimento, e entre seus habitantes, um garoto, que se comunica com a mãe morta (ela morreu no parto do menino), convive com o pai, sua mulher, o irmão e sua noiva, em conflitos de aparente desarticulação. A narrativa, que transita pela humor, com leve sentido de absurdo e frágil traço poético, parece fundamentado numa ideia de maior potencialidade do que de bem-sucedida estruturação. O autor oscila por esses diversos momentos, atribuindo-lhes tratamento de cenas quase independentes, desequilibrando a unidade da ação e dispersando o centro do entrecho. São tantas e tão desviantes subtramas (pai hesitante em casar, mãe morta com ciúmes do marido vivo, irmão sem convicção para casar) e figurações simbólicas (fotos que desaparecem e armários que aparecem), que ao contrário de apontar para indicações dramáticas, se perdem em imagens gratuitas. O que parece ter levado o autor a escrever a peça, está resumido ao final, quando um personagem conclui que tudo aquilo (relações passadas, dores de perdas, lembranças engolfadas por tsunamis existenciais), nada mais é do que o fim de uma época, a da juventude. Na direção, Pedro Brício preferiu acentuar o humor, mais do que estabelecer contraponto onírico que, talvez pudesse segurar melhor a dispersão. De certa forma, a direção de arte de Rui Cortez supre essa ausência, com cenografia evocativa. O elenco não tem como evitar a instabilidade do texto, solto em meio ao humor deslocado de uns, perdido no implausível diálogo de outra e algo crítico na interpretação de alguns.

Crítica/ Academia do Coração
Exercícios de autoajuda para pacientes-ginastas
Flávio Marinho pode ser considerado um comediógrafo, na acepção que se atribuía a dramaturgos na primeira metade do século passado que escreviam, com exclusividade, no gênero. Em quase 30 anos, Marinho construiu obra em duas dezenas de textos que se mantêm fiel à sua escolha autoral. Academia do Coração, em cena no Teatro Maison de France, permanece na mesma linha, na qual à comédia tradicional de costumes acrescentam-se algum sentimentalismo e contidas observações sobre comportamentos de hoje. No texto atual, Marinho ambienta numa academia de medicina esportiva grupo de cardíacos que se empenham, com maior ou menor dedicação, em exercícios de recuperação, administrados por médica autoritária. A convivência ocasional  faz com que eventuais confidências se misturem a piadinhas sobre os casos médicos individuais, o envelhecimento, medicamentos e pouco mais além de tais banalidades. A chegada de jovem recém transplantado faz com que o seu bom mocismo interferia e modifique a vida de cada um dos pacientes-ginastas. Esse anjo protetor, cheio de conselhos e ditos de autoajuda, desaparece sem deixar vestígios, deixando o grupo no céu da tranquilidade, resolvendo  as queixas e frustrações de todos. Com artificialidade e excesso de rótulos, a comédia não projeta o humor que se supõe deveriam ter os diversos tipos, que nos três quadros de mudança de tempo, repetem as mesmas e rotineiras piadas. Os conselhos do jovem soam como um manual de otimismo que não escapa do piegas. Na direção, Flávio Marinho é servil ao autor Flávio Marinho, ampliando em cena o que o texto já avançava. Os atores carregam na tipificação, com Cristina Pereira repetindo-se, Bia Nunes sem encontrar o humor, Ernani Moraes pouco à vontade, Sandro Christopher exibindo a voz, Renato Reston apagado, e Arlindo Lopes dando exagerada credibilidade ao que que diz.        

Crítica/ Sonhos de um Sedutor
Marido abandonado, amiga compreensiva
A autoria e a versão cinematográfica revelam a tendência para superestimar essa peça de Woody Allen, que com direção de Ernesto Piccolo está em cartaz no Teatro Ipanema. Pode até ser divertida a tentativa constante e repetitiva de um neurótico e hipocondríaco para encontrar namorada, depois de ser abandonado pela mulher. Essa projeção do próprio Woody, entre a ajuda da mulher de seu melhor amigo e conversas com a imagem e a experiência de Humphrey Bogart em conquistas femininas, Allan (esse é o nome do personagem, quase o mesmo de seu criador) investe em várias possibilidades, sem êxito, até que se percebe apaixonado pela amiga Linda (a que se dispôs a ajuda-lo na busca). Explorando o temperamento e as obsessões (cinema, psicanálise, insegurança emocional) do ator e diretor de Manhattan, a comédia circula por todas as suas idiossincrasias afetivas e mediações com a magia da tela, num tributo auto referenciado a si mesmo. A situação central sobrevive ao desgaste dos previsíveis desdobramentos pela personalidade mimetizada do personagem verdadeiro, caso contrário os intermitentes e frenéticos monólogos de Allan seriam nada mais do que mecanização compulsiva de palavras. Ernesto Piccolo costura a montagem, procurando manter o ritmo agitado, que nem sempre é possível pela queda natural do texto, concentrando o humor na interpretação de George Sauma. O aspecto mais Zelig (a presença de Bogart) se torna algo secundário pelo diretor não lhe ter dado melhor acabamento. Heitor Martinez, tanto é o Bogart posado, quando o marido displicente. Georgiana Góes se multiplica em muitos tipos, enquanto Luana Piovani se comporta como uma presença. George Sauma se mostra ágil na demonstração exibicionista de habilidades.  

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