Estilos de
Musicais
Crítica/ Elis, A
Musical
Elegia ao talento com ótima trilha sonora |
Evocativo.
Nelson Motta e Patrícia Andrade que escreveram o musical-tributo a
Elis Regina, em cartaz no Oi Casa Grande, seguem cronologicamente a carreira da
cantora sem cair na armadilha de superdimensionar
dramaticamente a personagem para valorizá-la como narrativa teatral. A vida se
molda pela carreira, e a ambientação pelo tempo em que Elis consolidou a sua
trajetória na música brasileira. Os autores, sem quaisquer paralelismos fáceis,
contrapõem início e bossa nova, cerco político e decisões artísticas, sucesso e
contradições existenciais, estruturando um musical que intercala história e
canções com equilibrada dosagem. Se o primeiro ato pode, eventualmente, ser
considerado um tanto carregado de informações, o segundo, compacto, enxuto,
emocional, compensa possíveis derramamentos iniciais. Elis, A Musical é mais evocativo do que biográfico, mais elegia do
que homenagem, e que tem ainda a seu favor repertório de alto nível, registro
de momento privilegiado da MPB. O diretor Denis Carvalho acondicionou com
sensibilidade de espetáculo o material dramatúrgico, ajustando o formato ao
significado de exibição, show e efeito, tirando partido da fórmula naquilo que melhor oferece para ser explorado. As cenas em
que se utiliza o palco elevado (a dos soldados e a que rememora shows) e as
coreografias com os manequins e no salão de beleza guardam referências de outras
montagens, o que somente contribui para solidificar a assinatura de Carvalho na
sua estreia na direção teatral. A estética discreta do cenário de Marcos
Flaksman e o figurino impecável de Marília Carneiro são apoiados pela
iluminação de Maneco Quinderé. A luz de Quinderé alcança em duas cenas a
perfeita interpretação do que as imagens pretendem simbolizar: na abertura, com
Elis de costas para a plateia, e no final, no monólogo da entrevista. O
conjunto de músicos e a direção musical de Délia Fischer são outros pontos de
destaque. Laira Galin está bem distante da ideia de incorporar Elis Regina. A
atriz interpreta com vigor e técnica vocal uma cantora com grife histórica,
revivendo timbre e temperamento sem recorrer a atuação fotográfica. Felipe
Camargo é um Ronaldo Bôscoli na medida e Claudio Lins um Cesar Camargo Mariano com
extensão de voz. Ícaro Silva (Jair Rodrigues), Danilo Timm (Lennie Dale), Leo
Diniz (Tom Jobim), Caike Luna (Luiz Carlos Miele), Rafael de Castro (Marcos
Lázaro), Peter Boos (Henfil) e o coro completam, harmoniosamente, o ensemble deste agradável musical.
Crítica/ Cazuza,
Pro Dia Nascer Feliz, O Musical
Rebeldia difusa faz sombra à poética |
Temperamental.
O texto de Aloisio de Abreu para o musical em cartaz no Teatro Net Rio
foi baseado, e não só, no livro da mãe do cantor e compositor, Lucinha Araujo, Só As Mães São Felizes. É a partir deste
eixo emulador que Abreu escreveu o espetáculo-exposição em que o depoimento
materno é a expressão dominante da curta vida do arrebatado criador, na poesia
e na vida. O temperamento intenso e a voracidade de existir, que se confundiam
com as canções, numa rebeldia difusa que investia no rompimento de limites, sempre
protegidos pelas asas paternas, se deixam ver no musical dirigido por João
Fonseca. A história do músico sob a ótica familiar se transforma em painel
musical, embalado pelos acontecimentos que impulsionaram a existência de
Cazuza, com um detalhamento (a impressão é de que se quis preservar ao máximo o
conteúdo do livro) que esgarça a duração do espetáculo. O excesso de
pormenores, que caberiam melhor em outro formato que não o do musical, acaba
por estender a trama em detrimento de
maior integração com a poética do
letrista. A explosão criativa, que está associada aos momentos de vida, e que
surgem, sem dúvida, em vários momentos, não alcançam autonomia expressiva capaz
de trazê-la para o centro da cena. João Fonseca distribui pelo espaço em planos
a ação, procurando manter a agitação nas constantes mudanças de cenas e
ampliando o quadro, com a distribuição coreográfica
do elenco nos números musicais. A direção musical de Daniel Rocha ressalta
a qualidade da banda e dos atores, e o figurino de Carol Lobato veste com
propriedade os personagens em sua época: os mutantes anos 80. O elenco de 16
atores, em maiores ou menores intervenções, está marcado por composições
físicas que sugerem, quase como imitações, as figuras reais que interpretam.
Emílio Dantas é um Cazuza em que o gestual e os trejeitos de corpo se
assemelham bastante aos do compositor, mas o ator, com voz que lembra e não
copia o timbre original, impõe segurança na atuação e demonstra presença em
palco. Yasmin Gomlevsky é levada a caricaturar Bebel Gilberto, reduzida à
tipificação de contornos ridículos. André Dias, como Ezequiel Neves, também
mimetiza exteriormente, criando apenas um boneco. Os demais atores, entre eles,
os corretos Susana Ribeiro (Lucinha Araujo) e Marcelo Varzea (João Araujo),
investem nesta linha imitatória com resultados bem discutíveis.
Crítica/ Clementina,
Cadê Você?
Biográfico.
Pedro Murad, que escreveu esse musical de bolso em cartaz na Casa de
Cultura Laura Alvim, fez uma recolha biográfica-etnográfica da vida e carreira
de Clementina de Jesus, neta de escravos, descoberta em festa religiosa aos 63
anos, cantando louvores e jongos. A peculiaridade da ex-empregada doméstica com
repertório que ressoa cultura negra e
suburbana cariocas, de voz peculiar, está projetada, timidamente, na montagem
dirigida por Duda Maia. Menos pelas opções formais da direção, e mais pelo
tratamento dado pelo autor ao material de pesquisa com o qual construiu a
narrativa. É por demais evidente que a pesquisa foi a condutora da escrita, sem
que tenha sido depurada por filtro que rompesse o dualismo cronologia e
homenagem, e dimensionasse personagem e ambientação. Não que Clementina seja
apresentada com a distância da reverência, sua face humana aparece associada às
vivências culturais e religiosas formadoras, mas são aprisionadas pelo factual,
que prevalece sobre qualquer visão (dramática ou cultural). De certa maneira, o
musical se reduz à seriação de músicas com cenas que se interpõem à trilha,
sublinhando, ora com humor, ora com toques melodramáticos, os dados
biográficos. A diretora faz um arranjo cênico de desenho coreográfico, com
grande movimentação dos quadros, o que garante certa agilidade, mas que
esquematiza ainda mais o pouco adensamento do texto. Os atores – Bruno Barreto,
Bruno Quixotte, Sergio Kauffmann, Vidal Assis e Wendell Bandelack _ se
multiplicam em figuras conhecidas e pastoras, servindo às mudanças constantes
de cenas e formando o interveniente coro. Ana Carbatti foge à tentação de
compor, física e vocalmente, Clementina de Jesus. Se sob esse aspecto, pode-se
considerar uma escolha prudente, por outro, afasta a sua interpretação de recriação
vivificada para que surja no palco, não somente no figurino e na esbelta figura
da atriz, traços definidores de Clementina.
Crítica/ Zé Trindade –
A Última Chanchada
Bordões e trejeitos de comicidade meta-celestial |
Cômico.
Artur Xexéo, autor do musical em cartaz no Centro Cultural dos Correios, expõe
em cena as dificuldades de biografar o comediante de cinema que protagonizou
dezenas de chanchadas ao longo de décadas. Xexéo investiu em negativas e
oposições para escrever a comédia com música que, antes de historiar o
personagem, aborda a sua figura por aquilo que provoca como críticas à sua
carreira profissional. Machista, cômico de bordão único, compositor de marchinhas
carnavalescas inexpressivas, é o Zé Trindade que surgia diante do autor incumbido
de escrever texto a ser encenado e cuja vida não provocava qualquer estímulo
(“teatro é conflito”, assinala). Talvez tenham sido essas razões pelas quais a
ação se transfere para o céu, aonde está instalado na nuvem dos comediantes, Zé
Trindade e tantos outros atores do gênero (de Dercy Gonçalves a Charles
Chaplin). Enviado de volta para alcançar
a graça de conquistar a realização de um desejo, Zé se vê diante de um autor
com dificuldades de escrever peça de encomenda sobre sua vida. Com as próprias
dificuldades de atender ao pedido e incorporando as críticas circulantes sobre
a carreira do comediante, Xexéo transfere para a cena o que se imagina ter enfrentado
na elaboração da escrita. João Fonseca conduz o espetáculo, destacando os tipos
como em um painel de figuras caricatas, que se apresentam em quadros sucessivos,
assemelhados a cortinas (atuação dos
cômicos no proscênio nas antigas revistas da Praça Tiradentes). O diretor nem
sempre administra com habilidade o volume de texto até atingir a piada e o
encaixe da música no ritmo chanchadístico. Os atores se idenficam,
parcialmente, com o sotaque cômico-musical desta chanchada-meta-celestial.
Paulo Mathias reproduz as entonações, trejeitos e bordões de Zé Trindade com pequena
variante no mimetismo. Alice Borges investe com melhor eficácia na reinterpretação
de uma Dercy Gonçalves inimitável. Rodrigo Nogueira não está muito à vontade,
especialmente na figura de Chaplin. Helga Nemeckzy reafirma a sua presença
cênica e poderosa extensão vocal. Rodrigo Fagundes, Alexandre Pinheiro, Nêga e
Luisa Viotti não se integram à comicidade pretendida.
Crítica/ 1958 – A
Bossa do Mundo É Nossa
Anuário nostálgico de um tempo idealizado |
Nostálgico.
Baseado no livro Feliz 1958 – O Ano
Que Não Devia Terminar, de Joaquim Ferreira dos Santos, a adaptação em
cartaz no Teatro Laura Alvim foi transformada pelo roteirista e diretor André
Paes Leme em anuário- nostálgico-musical. Os acontecimentos daquele ano, que
tanto o livro quanto a peça desejam registrar com imagens idílicas de irretocável
bem-estar e felicidade nacional, se
sucedem a partir da torcida pela vitória brasileira na Copa de 58, afinal
vencida pela nossa seleção. Os quadros são marcados pela efusão dos torcedores,
a cada um dos jogos em que o Brasil avança até aos 5x2 contra a Suécia. Os
comentários ligeiros, quase citações aos fatos, incluem concursos de misses,
costumes dos jovens e suas lambretas, construção da capital no Planalto Central e novos
ares no teatro paulista, e velhos escândalos
no teatro carioca. E entre tantos fait-divers
não ficaram de fora a lembrança de cantarolar jingles publicitários e de manusear objetos atualmente descartados,
como máquina de escrever e enceradeira. Não há qualquer pretensão de
ultrapassar o saudosimo de uma época
idealizada, e mesmo com a roteirização que pocura estabelecer relativa ligação
entre os quadros, pouco se consegue para além de sequenciação das referências,
ilustradas com música. 1958 sofre de
um certo hibridismo no gênero. Sem ser, estritamente uma comédia musical, não
chega a ser um musical tout court, ainda menos uma revista, se
parece mais com show de variedades com um melhor empacotamento. Em que pese a
qualidade dos profissionais envolvidos, da coreografia aos figurinos, da
iluminação ao videografismo e aos músicos, a montagem tem alcance bem modesto: restrita
formalmente e tímida tecnicamente. O elenco masculino – Diego Abreu, Leandro
Castilho e Matheus Lima – se desdobra entre o canto e o humor, sem maiores
destaques. O feminino tem em Daniela Fontan e Bianca Byngton provas de miscasting, enquanto Andrea Veiga revela
agradável timbre para o canto.
Crítica/ Pacto –
Relações Podem Ser Fatais
Drama que deixa a plateia com pigarro |
Dramático.
Esse musical americano que está em cartaz no Teatro Sesi é baseado em fato
real, acontecido nos Estados Unidos na década de 20 do século passado. Dois
jovens que, através de relacionamento doentio de dominação e sujeição, cometem
assassinato, estendem a convivência dos anos da juventude aos desdobramentos na
prisão até ao desfecho algo surpreendente da amizade. A experiência desta ligação
e as ações praticadas como exercício de manipulação e dependência do desejo são
a base sobre o qual o autor Stephen Dolginoff transferiu o drama para a
linguagem musical. A transposição de entrecho psicológico para o gênero
identificado com diversão e escapismo é, não só possível, como inteiramente
viável. Basta lembrar alguns (senão todos) musicais de Stephen Sondheim. Neste
caso, a acomodação não foi tão confortável, menos pela trama, e mais pela trilha
que mostra resistência em sonorizar o dramático. As músicas, com letras
descritivas, que sugerem dialogação, enfraquecem o desenvolvimento da ação e esmaecem
as nuances psicológicas. Ainda que as músicas não sejam marcantes, e não
deveriam mesmo o ser, ao menos têm um caráter mais elaborado harmonicamente, ainda
que insuficiente para acomodar as palavras pouco audíveis teatralmente. A
importação desse texto, visceralmente americano na trama e no gênero, deixa
dúvidas sobre a oportunidade de encená-lo por aqui. O diretor Ivan Sugahara bem que se esforçou para compatibilizar drama
e música, numa montagem, necessariamente sombria e fincada na tensão. Sugahara
até avança em algumas cenas no sentido de superar a dicotomia original, com o
despojamento cenográfico, o desenho cênico delineado pela iluminação e a
contenção dos atores. Não é o bastante para que Pacto adquira corpo e força, e para que a cada introdução musical o
espectador não pigarreie e o interesse
da plateia diminua em proporção inversa ao que acontece no palco. André Loddi
com boa presença e voz encorpada demonstra maior segurança do que Gabriel
Salabert, que tem apenas interpretação empenhada.