Em Cena no
Espaço Sesc
Crítica/ Vermelho
Amargo
Subjetividade com recortes oníricos |
O romance de Bartolomeu Campos de Queirós, que
deu título e originou a montagem em cartaz no Teatro Eva Herz, é traçado em
imagens afetivas com sabor de colorido simbólico e fatiada em cortes oníricos afiados.
O percurso das palavras do autor para reaver sentimentos, como o de perda da
infância, o desaparecimento da mãe, o esfacelamento dos laços fraternais e a
distância paterna, é temperado pelo fruto sangrento da solidão e da passagem do
tempo. Nesta imersão em lembranças e subjetividades ressalta o lirismo
levemente ácido de uma literatura confessional que Diogo Liberano adaptou e
dirigiu, capturando o aspecto imagístico da literatura para estabelecer a
conexão narrativa. A versão teatral do romance procura criar uma poética
cênica, em que o literário se inflexiona como figura, deixando o dramático em segundo
plano, em favor da construção da palavra desenhada. O trio de atores – Daniel
Carvalho Faria, Davi de Carvalho e Diogo Liberano – estabelece diálogo com a
interpretação como traço, esboço para dar forma ao dito, sem emprestar-lhe intencionalidades
explícitas. O que se apropria da escrita é o seu contorno físico, próximo ao
sensorial, convertida em forma e movimento que desloca o eixo da ação interior para desdobrar, em abstrato, as
camadas narrativas. Neste sentido, a cenografia de Bia Junqueira funciona como
uma coautoria com a direção. O piso vermelho, que de início recobre a cena, se
revela uma mandala de círculos concêntricos, que se transforma em parangolé. Outra camada do piso fica a
descoberto, em seguida, quando se avolumam arestas para que, ao final, surja um
quadro ilusório. Mais do que um impactante efeito estético, uma inteligente
leitura visual do texto.
Crítica/ Um Dia
Qualquer
Desencontro coletivo de solidão individual |
Julia Spadaccini confirma neste texto, em cena na
Arena, e a cada nova encenação, o depuramento do seus meios expressivos, demonstrando
crescente segurança no domínio da dramaturgia. Nesta narrativa a autora reitera
a progressiva instrumentação de sua escrita teatral, desta vez num clima
vagamente absurdo com fragmentos realistas. Num banco de praça reúnem-se tipos
desgarrados – uma enfermeira destemperada, um burocrata liberal, um palhaço de
festa infantil e uma mulher neuroticamente eloquente -, sem razões aparentes
que os una, a não ser o fortuito e casual encontro. Num dia qualquer, de uma praça
qualquer, registra-se o momento desse encontro. O diálogo entre essas figuras
soltas, perdidas em cotidianos melancólicos, solitários, bizarros, prescinde de
uma determinada situação. A conversa entre eles é a própria
construção dramatúrgica, e é das palavras soltas que Spadaccini preenche o
vazio individual que os personagens trazem ao coletivo da praça. Sem inter-relação,
cada um monologa com consigo mesmo, como se assemelhassem àqueles pregadores
sem plateia que aparecem, eventualmente, em espaços públicos. Alexandre Mello
harmoniza o quarteto do elenco – Leandro Buamgratz, Anna Sant’ Ana, Dida
Carneiro e Rogério Garcia – às oportunidades de destaque nas atuações sugeridas
pelo texto. O diretor mantém a montagem no plano discursivo, buscando encontrar
fluência em material que não se baseia em ação
e continuidade. O cenário de
Daniele Geammal, que instala o banco num piso espelhado, possibilita alguns
bons efeitos de luz de Renato Machado, mas fica um tanto prejudicado,
dependendo da localização do espectador. A incidência da iluminação no espelho,
compromete pela refração o olhar do público.
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