Curitiba
Crítica/ Isso Te Interessa?
Desnudamento de relações banais |
Márcio Abreu e a Companhia Brasileira de Teatro, que a partir da capital paraense desenvolvem trabalho consistente de investigação cênica, demonstram com Isso Te Interessa?, uma vez mais, que sua pesquisa segue trilha, generosamente, inventiva. Nas apresentações de um mês no teatro Novelas Curitibanas de Curitiba do texto da francesa Noëlle Renaude (no original, Bon, Saint-Cloud) ficou evidenciado o rigor e a inquietação que marcam os dez anos deste coletivo, que foi gerado e se desenvolveu fora do eixo teatral Rio-São Paulo. A identidade autoral, surgida de movimentos internos do grupo, em que o repertório se consolida através do investimento na linha interpretativa de elenco integrado, atinge com esta montagem refinamento de atuação, que antecipa e aumenta a expectativa para os próximos espetáculos da companhia. Isso Te Interessa? é um texto curioso pela sua quebra narrativa e aspecto reiterativo dos diálogos. Gerações de uma família cumprem, ao longo do tempo, os rituais impostos pela convivência e por separações e desgastes, reforçando, pela continuidade, comportamentos de vidas banais. O texto, sem maiores vôos, é um habilidoso retrato de certa classe média e suas vacuidades, mas que ganha, na direção de Márcio Abreu, dimensão que reflete estranhamentos. O black-out inicial, que prepara a platéia para a surpresa que se segue, é substituído por quadro em que dois atores, um atuando como o homem, e outro como o cão, iniciam um jogo de afagos. O detalhe é que ambos estão inteiramente nus. Esse artifício, que não está previsto no original, é uma opção do diretor, que, deste modo, ratifica, pelo contraste, o tom rotineiro de existências comuns. A escolha não se assemelha, em instante algum, à procura de qualquer efeito exterior ou de provocação contestatória. Transmite, tão somente, a perspectiva de emoldurar dramaticamente pelo desmonte da imagem (radical, sem dúvida), o verniz protocolar que esconde reais e alienantes atitudes. Outro ponto, virtuosamente instigante, deste Isso Te Interessa? (o título conserva a ironia gaulesa) é o que Márcio Abreu alcança com os atores. As interpretações são de refinado humor e sutil composição corporal, refletindo integração que não permite que haja destaques. Giovanna Soar, Nadja Naira, Ranieri Gonzalez e Rodrigo Ferrarini estabelecem unidade de atuação, em que cada um interpreta com seus recursos bem afiados, imprimindo a particularidade de seus temperamentos de atores, mas a serviço do ensemble. Em apenas 45 minutos, a Companhia Brasileira de Teatro confirma que atingiu um grau de sofisticação e de crescente depuramento cênico, apontando para possibilidades ainda mais amplas e surpreendentes.
São Paulo
Crítica/ A Ilusão Cômica
Representação ilusória de uma fábula teatral |
A companhia paulista Razões Inversas, sob a direção de Márcio Aurélio (a equipe montou o bem sucedido Agreste) completa duas décadas com a encenação de texto do francês Pierre Corneille, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil da capital paulista. Mais uma investida corajosa do grupo, que tem em seu repertório, além da peça de Newton Mendonça, a provocante encenação de Anatomia Frozen (o Rio merecia assisti-la), que prossegue com A Ilusão Cômica a tradição do grupo na exploração de universos poéticos. A narrativa construída por Corneille desvenda um mundo tangenciado pelo teatro, em que a imaginação mágica e os truques da representação compõem etapas de maravilhamento. A memória da commedia dell,arte, o preciosismo verbal de poética metafórica e a fabulação fantástica de imagens e palavras se oferecem como compêndio teatral que se torna espetáculo pela oferta ilusionista de envolvimento. A força comunicativa do texto, que aparentemente pode soar verboso e literário, se prova expressivamente contagiante, o que o transforma em clássico pela sua abrangência e inteireza poética ao longo dos séculos. Na direção de Márcio Aurélio essa idéia de permanência do texto é estendida ao espetáculo que incorpora cada uma das suas atraentes vias. Lá estão as pantomimas de uma representação referenciada à época, e as imagens despojadas, mas eficientes, que apóiam a ação que sustenta a trama. O diretor envolve as camadas narrativas com fluência atualizada para montagem de comédia clássica. Mas por uma série de circunstâncias, que variam da exiguidade do espaço do teatro do Centro Cultura Banco do Brasil paulista à irregularidade do elenco, nem sempre o equilíbrio poético-literário se sustenta, desviando-se, algumas vezes, para regiões menos resolvidas cenicamente, prejudicando, deste modo, o caráter fabular, em especial na virada definitiva proposta na cena final. A tradução de Valderez Cardoso Gomes merece destaque pela sua alta qualidade. As presenças de Joca Andreazza e Lavínia Pannuzio são precisas e estilisticamente irreparáveis, já os demais atores – Paulo Marcello, Maria Stella Tobar, Antônio de Campos, Julio Machado e Gonzaga Pedrosa – têm atuações um tanto irregulares, ainda que não comprometam o maior mérito desta versão de A Ilusão Cômica: a dignidade com que foi encenado este texto definitivo de Corneille.
Crítica/ As Bruxas de Eastwick
Vôo rasante de bruxinhas provincianas |
A dupla Charles Möeller e Cláudio Botellho, que lidera, numérica e criativamente, a encenação de musicas no Brasil, assina a montagem nacional de As Bruxas de Eastwick, em cartaz no Teatro Bradesco. A marca do diretor Möeller e do tradutor Botelho pode ser reconhecida. Afinal, constata-se a correção técnica, a qualidade vocal, a cenografia funcional, a escolha adequada do elenco. Então, por que motivo, as bruxas voam tão baixo. A responsabilidade não pode ser atribuída à dupla, que seguiu, com menor autonomia, ao que parece, e alguma desconfiança sobre o material, ao que deixa entrever, mas ao fraco libreto e à corriqueira trilha. As três mulheres, vivendo numa cidadezinha do interior americano, que recebem a visita de demoníaco sedutor, podem ter sido algum interesse no cinema (quem assistiu ao filme fala de boas atuações), mas na virada para o musical são pouco mais do que personagens de uma longa e desinteressante historinha cantada. Apela-se para todo tipo de efeito para jogar fumaça nos olhos da platéia. Recorre-se a fogos de artifício em várias momentos. A atrizes penduradas em fios até voam sobre as cabeças do público. E canta-se, sem que nenhuma das músicas fique retirada nos ouvidos do espectador. Mesmo com respeitável equipe profissional, As Bruxas de Easwtick, com todos os chamarizes e sucessão de clichês, parece não estar agradando aos espectadores paulistas. Numa matinê de sábado, às cinco da tarde, num teatro de quase 1.500 lugares, pouco mais de 200 pessoas se distribuíam pelos diversos setores e andares. O que revela que o público, alimentado continuamente por produções do gênero, se torna cada vez mais seletivo, e procura valorizar seu dinheiro. Os preços dos ingressos variam de R$ 10,00 a R$ 190,00.
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