terça-feira, 18 de outubro de 2011

39ª Semana da Temporada 2011


Crítica/ Filha, Mãe, Avó e Puta
Transposição de um depoimento que mimetiza uma imagem
A produção deste espetáculo em cartaz no Teatro III do CCBB é honesta ao acrescentar ao título a explicação do que se assistirá, efetivamente: a uma entrevista. É a partir de uma série de perguntas de um repórter à Gabriela Leite, personagem real que fala de sua vida no livro Filha, Avó e Puta, que a montagem dirigida por Guilherme Leme procura a teatralização. O material para tal empreitada pode até ter possibilidades cênicas como representação de biografia de alguém que reivindica para si o orgulho no ato de se prostituir, mas o formato jornalístico é pouco maleável à narrativa teatral. Com uma mesa dominando o espaço, o ator assumindo com pouca espontaneidade o papel de repórter, e a atriz mimetizando, no visual,  a verdadeira Gabriela, se estabelece o cenário que condiciona as fases da vida de uma mulher que decidiu se transformar em prostituta. As decisões que Gabriela tomou ao longo de sua existência, que desaguariam na opção profissional, e que a transformaria em líder sindical e diretora de ONG, são detalhadas num sentido exaltativo que, sem restringir a extensão de seu trabalho na defesa da categoria, têm muito pouca potencialidade teatral. O modo como   Gabriela fala de sua condição, parcialmente  justificada pelas circunstâncias de sua vida, soa, algumas vezes, pode ser identificada apenas como uma questão de nomenclatura. Mas esta é a personagem e sua biografia. O que o diretor parece não ter se apercebido é, ao adotar a forma de entrevista, redutora e pouco dramática, reforça as limitações da mera transposição de um depoimento para o palco. Louri Santos é mais perguntador do que personagem. E Alexia Dechamps fica, prudentemente, no limite da discreta sequência de respostas, sem maiores variações interpretativas.     


Crítica/ Como Cavalgar um Dragão
Diálogo, mais ou menos ágil, com o desequilíbrio geracional 
Há neste encenação do Teatro Inominável, em cartaz no Teatro do Planetário, vontade empenhada em realizar algo que seja, tanto depoimento geracional, quanto tomada de posição em relação ao teatro. O grupo, muito jovem, demonstra  ânsia de dizer, sem muita segurança de como o fazer. Grupo de amigos se reúne para dividir, física e emocionalmente, o espólio afetivo de amiga que se suicidou. O encontro, forma de relacionar as lembranças e as repercussões desta morte sobre cada um, também serve para acentuar as contradições da amizade e os efeitos da perda nos sobreviventes. O processo de construção da montagem fica por demais visível por suas hesitações e fraquezas, nas quais a dramaturgia se perde no tom literariamente convencional dos monólogos e, com maior domínio em momentos dos, quase sempre, ágeis diálogos. O autor Diogo Liberano, em processo colaborativo com a diretora Flávia Neves e o elenco, perde a mão, distribuindo as cenas com desequilibrada intensidade – como na cena do telefonema do marido de uma das personagens – e descompassado ritmo. Por maior que seja a sinceridade que o grupo imponha à cena, falta  amadurecimento na  elaboração textual e traços mais fortes na montagem.        

Crítica/ Breve Encontro
Interpretação monocórdia sob o foco do melodrama
A origem é uma peça de Noel Coward (Still Life), e a base da encenação o filme de David Lean (Brief Encounter). Do encontro dessas inspirações que o adaptador e diretor Eduardo Wotzik reescreve cenicamente Breve Encontro, em cartaz no Teatro dos Quatro. As razões pelas quais Wotzik se decidiu por estas referências para criar base teatral que sustentasse sua adaptação se revelam um tanto intrigantes. Pode-se considerar esse melodrama pré-psicológico como história repleta de ganchos narrativos para provocar determinadas reações nas platéias. O texto original e o filme, ambos da década de 40, surgidos numa Inglaterra mergulhada na guerra, são bem característicos da época e do gênero em que foram gestados, baseando-se numa emocionalidade induzida pelo sentimentalismo. A montagem, com tais condicionantes no atual panorama teatral, pode ser vista como reprodução de estilo passadista à procura de platéia nostálgica. Não se sabe a intenção de Eduardo Wotzik, mas pelo que seu espetáculo demonstra, se fixou num plano expressivo híbrido e recursos indefinidos. As cenas, como fotogramas de cinema, se sucedem com cortes marcados pela introdução de elementos cenográficos, de José Dias, sob o fundo negro do palco, complementados pela iluminação de Fernanda Mantovani. Os atores se tornam figuras captadas como imagens, interpretando de maneira quase recitativa e uniforme, insinuando, desta maneira, distância crítica da atuação melodramática. Parece intencional que o melodrama, que está na base narrativa, seja dissipado pelo tom, sutilmente contrário, para assim ser evidenciado, indiretamente. Mas os atores – Carla Ribas, Fernando Arze, Paulo Giardini, Cristina Rudollph e Rubens de Araujo – se apropriam desta linha monocórdia, sem possibilidades de ultrapassá-la. Além do inadequado tipo físico da maioria do elenco, todos se mostram pouco sensíveis ao universo do texto, o que deixa à saída do teatro, a dúvida que acompanha o espectador ao longo do espetáculo. Qual o propósito da direção ao escolher o texto?     


Crítica/ Por Telefone   
Juliana Teixeira e Jandir Ferreira perseguem o riso comercial 
Nos anos 80, o ator Antônio Fagundes mantinha uma companhia que alternava clássicos e textos mais ambiciosos com comédias ligeiras, como Por Telefone, que escreveu para preencher uma dessas alternâncias. Com a ambição de divertir, acima de tudo, mas com alguma vivacidade dramatúrgica e outros pequenos truques, Fagundes escreveu esta vinheta cômica com possibilidades de adquirir fôlego cênico. Para dois atores, a comédia assume ar levemente absurdo, num crescendo no humor que, se não atinge brilho ou inovações, pelo menos respeita a inteligência do público na procura de levá-lo a rir. Longe da gargalhada, Pelo Telefone, em cartaz no Teatro Vannucci, nesta versão dirigida por Luiz Arthur Nunes, pretende cumprir a mesma função de quando foi lançado. Produto comercial, com os atores Juliana Teixeira e Jandir Ferrari, talvez hoje tenha perdido, nas quase três décadas que o separam da sua estréia, o poder de atrair platéias pelas mudanças pelas quais passaram os espectadores de teatro, fartamente municiados, por igual tempo, pela exibição de seriados de televisão.     

                                     macksenr@gmail.com