quinta-feira, 21 de março de 2019

Temporada 2019/ São Paulo


Crítica/ “Fim"
Magali Biff  nas fronteiras do desbafo-manifesto

É na finitude que a contemporaneidade se torna ainda mais inescapável, e de que trata o diretor Felipe Hirsch em “Fim”. Fronteiras da arte, história, linguagens, tempos, se diluem nos processos de criação, vividos como enfrentamentos em batalhas que, a meio, já apontam para derrotas. O exercício da invenção parece esgotado pela ausência de perspectivas menos nebulosas, num momento em que experiências de buscar novos códigos esbarram na impermeabilidade da recepção. Como em “Puzzle”, que marcou viragem na carreira de Hirsch, a atual montagem em cena no Sesc Anchieta, na capital paulista, se arma em quebra-cabeças de quatro quadros, escritos pelo argentino Rafael Spregelburd. Em cada um deles, e nas contribuições de André e Sérgio Sant’Anna, se distribuem as estocadas de humor cítrico e formas agridoces, num quarteto de entrechoques, culminando com um ruidosa performance cética-demolidora. Na cena inicial, “O Fim das Fronteiras”, os limites da expressão falada e dos significados que se impõem a discurso com a amplitude da dispersão, Renato Borghi  joga palavras em inglês e canta velho tango argentino, em tradução amalucada por Magali Biff. Em “O Fim da Arte”, questões acadêmicas e papel do crítico, além da restauração do passado e possibilidades de futuro, disparam tiroteio à hipocrisia de uma certa terminologia e ironia na manipulação de preceitos. Amanda Lyra interpreta com o corpo, conceitos enrijecidos, enquanto Rodrigo Bolzan implode o desuso da palavra. Em “Fim da Nobreza”, talvez a menos ajustada das quatro cenas, a arte é bufonaria para a elite mediada pelo dinheiro. Danilo Grangheia se faz duplo para figurar absurdos. Já “O Fim da História”, quando grupo teatral algo mambembe ensaia um clássico qualquer, expõe o incêndio destruidor do teatro condenado à repetição e comprometido na sua sobrevivência pelos espectros da atualidade. Mais do que posição niilista, que o título promete e a encenação não compartilha integralmente, “Fim”  é desabafo-manifesto de um corte sem suturas.