Crítica do
Segundo Caderno de O Globo ( 30/4/2018)
Crítica/“Maria!”
![]() |
Reflexos cênicos da crônica de uma cidade |
Antônio Maria (1921-1964) é o personagem do
monólogo-recital-show que reúne crônicas e canções do
jornalista-letrista-boêmio que viveu com intensidade a imprensa romântica da
década de 1950/60, e a vida noturna da Copacabana das boates e do amanhecer na
praia. A dramaturgia do ator Claudio Mendes percorre a infância e juventude no
Recife natal e segue na agitação carioca, que o leva dos difíceis tempos das
pensões na Lapa à meia-luz do Sacha’s e
das conversas regadas a uísque com os amigos compositores. Do balaio de
lembranças festivas da adolescência são retirados, além da saudade e as
inquietação do Menino Grande, a melancolia de seus versos, o sentimento de
solidão e a matéria do cronista. (“A música me desvendará durante algum tempo.
A poesia explicará o mistério”) A habilidade na seleção, tanto dos textos
quanto do repertório musical, está na disposição de mostrar uma obra, mais do
que biografar uma vida. As informações sobre Maria estão impregnadas naquilo
que escreveu, em prosa e música, dispensando criar situações ou entrecho. (“Como
não sou uma pessoa de futuro, tenho medo de ficar aqui, sempre aqui, nesta janela,
contando os anos da minha vida”) A articulação cênica do roteiro, bem
alinhavado, surge da simplicidade com que o humor auto-corrosivo (“Eu só não
devo a mim mesmo por falta de crédito pessoal”) se contrapõe ao cansaço das
dores (“A velhice chega de repente, às vezes, como um pássaro que pousa
fatigado na varanda ao entardecer”) Os recursos minimalistas dos elementos de
cena e a iluminação que envolve a plateia sustentam a direção de Inez Viana,
procurando ligação estreita entre ator e público. Com um pequeno banco e uma
bandeja, o intérprete busca, com malabarismo corporal, jogar para os
espectadores, incentivando o coral de vozes da assistência madura, que adere imediatamente.
Claudio Mendes estabelece, com a mesma sincera admiração que traz da sua dramaturgia, essa ponte afetiva com
quem o assiste, entregando-se ao script,
e ultrapassando suas limitações de cantor. A participação da violoncelista
Maria Clara Valle confere solenidade sonora, que corresponde ao lado mais
sombrio das canções de Maria. A playlist inclui do “Frevo N 1” e “Carioca 1954”
a “clássicos” como “Ninguém me ama”, “Manhã de carnaval e “Valsa de uma cidade”. (‘É o retrato do Rio,
cidade que já foi livre, bonita e alegre. Hoje, da boca de cada carioca, sai um
resmungo, um palavrão, um gemido. Tudo está irremediavelmente perdido,
abandonado, sob um céu de névoa densa..”)