quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (18/10/2017)

Crítica/ “Círculo da transformação em espelho”
Os contorcidos laços de relacionamento


O texto da americana Annie Baker sugere, cenicamente, mais do que a sua escrita naturalista. A reunião de cinco personagens para ensaio de um espetáculo não pretendido, ou para jogo de autoconhecimento involuntário, define cada um diante do outro, em exposição de relacionamentos. Ao procurar, com o realismo das ações, desenhar a subjetividade dos contatos, a autora reveste de diálogos curtos e entrecortados e algum efeito de estranhamento, a estrutura narrativa. Circulando por entre espelhos, o grupo se reconhece no reflexo da imagem que descreve nas experiências do outro. Como em um psicodrama, a inversão dos papéis é reveladora de comportamentos individuais de quem é representado por sua história. Ao falar com a voz emprestada, os participantes desse ensaio-aula, quase terapêutico, vivenciam a si mesmos através do que informa a existência daquele que está ao lado. Nesta roda de emoções partilhadas, as individualidades se entrelaçam, confundindo-se na rotação dos sentimentos, estimulados por técnica comportamental. Annie Baker explora os conflitos, dosando-os com interrupções e pausas, capazes de equilibrar o ritmo dos exercícios, mesmo quando a envolvência dos depoimentos, perde algum peso evolutivo. A cena final, que informa o destino dos alunos-atores, está deslocada do restante do corpo dramático, com seu convencional tom conclusivo. Cesar Augusto incorporou a arena do Sesc à dinâmica da sua direção, apropriando-se do espaço físico como área para desempenho corporal, com carga de força expressiva, submetida à composição coreográfica. Os corpos se abandonam, deitados, para ganharem movimentos intensos de confronto e se modificarem em representações de palavras que não são propriamente as suas. O diretor ordena essa troca intensa na construção do gesto seriado dos desencontros. Os biombos-espelhos da cenografia de Mina Quental, se diluem na visão aérea proposta pelo escalonamento da plateia. As características dos personagens, apontadas com realismo em descrições detalhistas, encontram transposição renovada no elenco. Júlia Marini quebra, com dubiedade permissiva, as frustações da atriz de volta à casa. Fabianna de Mello e Souza responde ao controle da professora e ao descontrole da mulher. Carol Garcia interpreta com ingenuidade juvenil as dúvidas da aspirante a atriz. Alexandre Dantas procura dosar a fragilidade de personagem  inexpressivo. Sávio Moll empresta aspectos sutis a um homem sem aparente sensibilidade.