Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (20/9/2017)
Crítica/ “Um
berço de pedra”
A maternidade é o centro dos cinco textos curtos
de Newton Moreno reunidos sob construção dramática de pedra, embalada por pulsões
áridas. Em registro realista, “Canteiro” acompanha mulher em busca dos restos
mortais do filho, enterrado no jardim da casa de militar dos tempos da ditadura.
O universo da mãe em “O caminho do milagre” se desloca para o diálogo entre a
grávida e seu estuprador, ambos aprisionados por sentimentos esfacelados por
confronto psicológico. “Medea” reproduz a fúria daquela que mata os filhos na
dimensão trágica do clássico. No episódio que tem o título da montagem, os
tempos se confundem no campo de guerra em drama de quem desenterra os despojos
filiais, enquanto outra dá a luz. “Tráfego” esboça cenário social que permite
menino ser vendido pela mãe em sinal de trânsito. São atitudes maternais em traços
dramatúrgicos variados, que encontram em narradora entre as cenas e ambientação
desértica, dramaticidade única e uniforme. O diretor e cenógrafo William
Pereira estabeleceu em espaço terroso, marcado por chuva de areia, convergência
plana de estilos contrastantes, como dramas sociais e psicológicos, que se
mostram melhor acomodados apenas quando traduzidos como tragédia. O visual é
determinante, com a colaboração da bem desenhada iluminação de Miló Martins,
para criar área mítica e arquetípica, distanciada de referências localizáveis
ou citações geográficas. Se trágico, a paisagem acolhe, se em outras
linguagens, ilustra em excesso. Neste quadro pigmentado de pó de pedra, a
direção busca matizar com coloração poética o que periga ficar soterrado no
branco expressivo da pá de cal. As cenas adquirem solenidade, que avança para
além da característica de cada história,
o que não impede que em alguns momentos, a audição do texto encontre
correspondência com a visualidade. Belo, em seu travo rascante, “Um berço de
pedra” é encenado como ritual, que o elenco cultua, reverente. Debora Duboc,
como a narradora, não se distingue muito da mulher que desenterra os ossos.
Lilian Blanc está intensa na procura do filho morto no jardim. Sônia Guedes
constrói figura solene. Luciana Lyra é uma Medea evocativa, e Cristina
Cavalcanti, imprime força na visita da grávida a seu estuprador. Jairo Mattos dá
sentido masculino às consequências do desespero feminino.