quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (20/9/2017)

Crítica/ “Um berço de pedra”
Vários estilos soterrados por estética única

A maternidade é o centro dos cinco textos curtos de Newton Moreno reunidos sob construção dramática de pedra, embalada por pulsões áridas. Em registro realista, “Canteiro” acompanha mulher em busca dos restos mortais do filho, enterrado no jardim da casa de militar dos tempos da ditadura. O universo da mãe em “O caminho do milagre” se desloca para o diálogo entre a grávida e seu estuprador, ambos aprisionados por sentimentos esfacelados por confronto psicológico. “Medea” reproduz a fúria daquela que mata os filhos na dimensão trágica do clássico. No episódio que tem o título da montagem, os tempos se confundem no campo de guerra em drama de quem desenterra os despojos filiais, enquanto outra dá a luz. “Tráfego” esboça cenário social que permite menino ser vendido pela mãe em sinal de trânsito. São atitudes maternais em traços dramatúrgicos variados, que encontram em narradora entre as cenas e ambientação desértica, dramaticidade única e uniforme. O diretor e cenógrafo William Pereira estabeleceu em espaço terroso, marcado por chuva de areia, convergência plana de estilos contrastantes, como dramas sociais e psicológicos, que se mostram melhor acomodados apenas quando traduzidos como tragédia. O visual é determinante, com a colaboração da bem desenhada iluminação de Miló Martins, para criar área mítica e arquetípica, distanciada de referências localizáveis ou citações geográficas. Se trágico, a paisagem acolhe, se em outras linguagens, ilustra em excesso. Neste quadro pigmentado de pó de pedra, a direção busca matizar com coloração poética o que periga ficar soterrado no branco expressivo da pá de cal. As cenas adquirem solenidade, que avança para além da característica  de cada história, o que não impede que em alguns momentos, a audição do texto encontre correspondência com a visualidade. Belo, em seu travo rascante, “Um berço de pedra” é encenado como ritual, que o elenco cultua, reverente. Debora Duboc, como a narradora, não se distingue muito da mulher que desenterra os ossos. Lilian Blanc está intensa na procura do filho morto no jardim. Sônia Guedes constrói figura solene. Luciana Lyra é uma Medea evocativa, e Cristina Cavalcanti, imprime força na visita da grávida a seu estuprador. Jairo Mattos dá sentido masculino às consequências do desespero feminino.