Crítica do Segundo
Caderno de O Globo (23/6/2017)
Crítica/ “Programa
Pentesiléia – Treinamento para a batalha final”
A Pentesiléia que surge da dramaturgia de Lina
Prosa é a mesma fogosa amazona que vive uma paixão com o inimigo Aquiles, na preparação de uma batalha
em que a castração masculina e a virulência feminina se confrontam como
símbolos de forças de gênero e de sentimentos em estado de atração e repulsa.
Tróia como lugar da luta e o tempo de uma Grécia filosófica são cenários de
evocação desta tragédia pós-moderna da autora italiana, que refaz a fúria da
mulher que deseja dissolver o homem dentro de si, e devorar, como um verme, as
suas vísceras. As palavras, amorosas e violentas, tomam corpo, vigoroso e
destruído, para contar a saga de sentimentos que se desfazem nas suas próprias
contradições. Com direção de Maria Thaís do Teatro Balagan, “Programa
Pentesiléia – Treinamento para a batalha final” é determinada pela estética e coerência
da companhia paulista com linha investigativa que se atualiza em narrativas
clássicas, mitos e signos antropológicos, ritualizados em ação física. Nas citações
do texto a ambientes de confinamento, a mulher se encaminha para o fim em duas
fases de sua imprecação, enquanto o homem, em locução única, aniquila os
despojos do feminino. Em monólogos em que o choque se realiza no que é dito, o
físico, tão essencial na criação do Balagan, se mantém em escala descontínua.
Cama de hospital-maca-trono, dispositivo cênico de Márcio Medina que conduz o
discurso e contracena com os atores, é um ponto referencial da narrativa, ao
ser usado como extensão corporal. Tecido com desenho indígena veste a atriz em
citação que perpetua a guerreira até a morte. São elementos retirados do acervo
cênico do grupo, amplamente explorados em outras montagens. Na atual, fica
mantido o estilo, mas descontínua a realização. A diretora, sempre firme e
ciosa de suas proposições, não estende seus códigos para muito além de suas
ideias, o que torna difícil decifrá-los como explicitação de conceitos. No casal
de atores, evidencia-se o a concentração de sinais cifrados que não se fundem
em cena. Antonio Salvador, ator da Balagan, decodifica bem melhor as intenções
de sua interpretação. Performático no corpo e autoritário na voz, Salvador
deixa entrever um Aquiles possível de comunicar. Maria Esmeralda Forte, represada
em exigências corporais, regularmente cumpridas, contrai a variação de vozes de
Pentesiléia.