quarta-feira, 14 de junho de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (14/6/2017)

Crítica/ “Holywood”           
Mamet em estilo luta livre

A dramaturgia de David Mamet, como em bons roteiros de cinema, cria situação central forte, que se desdobra em diálogos inteligentes e resulta em entrecho que instiga os rumos de seu desfecho. Mais do que fórmula eficiente de técnica de escrita, as narrativas do autor conduzem o espectador a se situar em meio a contrastante argumentação e reações psicológicas aos conflitos. Mamet em seus textos teatrais, coloca em perspectiva questões adjacentes às disfunções da sociedade americana, em copiosos confrontos verbais, que atribui caráter de interlocução intensa à tramas realistas.  Em “Holywood”, essas características estão mantidas, ainda que em plano menos  expressivo e com menor ajuste dramático. O que enfraquece o embate de dois executivos da indústria de cinema que têm na secretária o desequilíbrio no projeto de um filme, é a dispersão entre a escala de ambições e o retrato de negócio de ética maleável. Com excessivo palavreado e muita reiteração, as críticas aos mecanismos que movem os personagens têm o alcance de ação novelesca, em que prevalece a exibição de atitudes, sem marcar o ritmo interno das suas motivações. A verbosidade não esconde a maneira redutora como se desenrola jogo fraudado de caso de sexo dissimulado. Os atritos do trio ficam dispersos pelo que é, essencialmente, o eixo da trama: o desvendamento de uma mentira. Gustavo Paso desconsiderou essa centralidade, investindo no desenho, quase farsesco, de executivos falastrões. Caracterizada como figuras estereotipadas da fábrica de ilusões, a dupla não sustenta as ironias e as dúvidas desconcertantes que outros e melhores textos de Mamet revelam em  maior extensão. O diretor transforma o choque de aspirações liquefeitas em luta livre de falas exaltadas. Os atores se digladiam em corpo a corpo ensaiado, ocupando um rinque que não demonstra ambientar impulsos verdadeiros. Artificiais e coreografados, os gestos sublinham uma dramática física, com limitada correspondência a real pulsão cênica. A iluminação de Paulo Cesar Medeiros tira o melhor partido da frontalidade do arranjo cenográfico. Claudio Daniel mantêm, desde a primeira cena, altitude interpretativa que não permite que o executivo, um tanto ingênuo para exercer cargo tão competitivo, disfarçar a precária construção do personagem. Ricardo Pereira, em tonalidade ainda mais estridente que seu companheiro de elenco, faz do palco, espaço de exposição para boxer de invejável resistência física. Luciana Fávero, em registro contido e ambíguo, supera os traços mal alinhavados que estão na origem da astuciosa secretária.