quarta-feira, 21 de junho de 2017

Temporada 2017

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (21/6/2017)

Crítica/ “Monólogo público"
Um monólogo de foco duplo


Já no título, o espetáculo-performance-plástico-teatral-biográfico de Michel Melamed aponta para o jogo dos contrários no qual expõe a sua perspectiva de viver agora a urgência atual dos contraditórios. O que se imagina pessoal, se confunde com o geral, e se misturam em fronteiras cada vez mais estreitas, que provocam uma fala truncada, impessoal e mimeticamente repetida. As vivências, como atitudes, e a arte, como retrato, são expostas em linguagens múltiplas e dispersivas, que se desencontram para formar ação híbrida e movimento estático. O autor, diretor e ator concentra em si o papel de confrontar sua intimidade com personagens do mundo, transformando o desempenho em variados modos de contar-se no cenário caótico do momento. Partido em dois, usa a palavra com um tom casual, para em seguida repeti-la em outro registro, saltando do solo para a altura de uma compacta estrutura de madeira. O que é dito de um lado, é ampliado de outro, por vozes que se desmentem ou complementam, em malabarismo de locução de recital egocêntrico. O próprio Melamed propõe a autocrítica de sua atuação, mas a interferência do público está  limitada pela valorização do privado, eixo de pretendida radicalidade que se revela um discurso autorreferente. Em obra tão conceitual, a teatralidade ganha aparato que confunde mais do que expressa. A iluminação de Adriana Ortiz, que tem diálogo quase físico com o ator, é tão onipotente quanto a cenografia de Sérgio Marimba. O enorme tablado-muro-escultura contracena com o intérprete, exigindo que o ator manipule o dispositivo pesado, com pouco efeito plástico, provocando desvio e desconcentração do olhar. A agilidade de Michel Melamed, corresponde ao excelente preparo físico e vocal, que demonstra na maratona de pulos e sonorizações, como o criador multifuncional experimenta possibilidades de pensamentos livres e soltos.