quarta-feira, 26 de abril de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (26/4/2017)

Crítica/ “Josephine Baker – A Vênus Negra”
A vedete e sua miltância de atitude


Musical biográfico que adota a cronologia como narrativa e a simplicidade como método, “Josephine Baker – A vênus negra” está na contramão da espetaculosidade do gênero, desenhado no tamanho de sua proposta. O texto de Walter Daguerre não pretende a exaltação da homenagem  ou o exibicionismo da imagem, mas apresentar uma vedete internacional que se vestiu de exotismo para sobreviver a variadas guerras, a mais duradoura delas, a do preconceito. A mulher, que se desnudava em exíguo biquíni com bananas e se escondeu para atuar na Resistência Francesa, é mesma que, durante seis décadas do século passado, viveu paixões intensas, maternidade filantrópica e militância de atitude. O autor seguiu a linha do tempo, introduzindo as ligações de Josephine ao Brasil, se referindo a apresentações no Copacabana-Palace, conversa com Oswald de Andrade, visita a um terreiro e a inspiração de tropicalista figurino na marchinha “Chiquita bacana”. Sem desvios, estabelece uma sequência que conta, em forma de show-dramatizado, história com muitos fatos e alguma glamourização. O diretor Otavio Muller foi fiel à simplicidade e despretensão da dramaturgia de Daguerre. Com o intimismo que se cria com a presença da atriz e músicos na plateia, no início e no final, e com as trocas de figurino à vista de todos e os diálogos, quase conversas, com o público, a direção condiciona o musical-pocket à sua exata dimensão. Se esse formato predomina em, praticamente, na pouco mais de uma hora de espetáculo, os efeitos tradicionais do musical surgem nos detalhes. A iluminação de Paulo Cesar Medeirosse se insinua apenas até explodir na última cena. A cenografia de Marcelo Marques expõe as paredes do palco, enquanto os seus ótimos figurinos colorem e fixam a imagem da cantora-bailarina-performer. O trio musical – Dany Roland, Christiano Sauer e Jonathan Ferr – tem discreta e divertida participação como coadjuvante da estrela, que domina, absoluta, o palco. De Aline Deluna, desde a primeira cena, de cabelos soltos, sentada no proscênio, papeando sobre sua carreira e de quando ouviu falar de Josephine, fica a impressão de que se tem uma atriz vocacionada para o musical. Quando se transforma em Vênus Negra, prendendo os cabelos, usando peruca, colocando adereços, se tem a certeza de uma intérprete em qualquer estilo. Bailarina que encarna com graça os movimentos algo desconcertantes da biografada, Aline revela voz de timbre agradável e bem educada. Como atriz, desempenha com a segurança de solista tarimbada e frescor de criadora disponível, o papel central de um musical de puro entretenimento.