Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (12/4/2017)
Crítica/ “Sobre
ratos e homens”
A versão teatral do romance “Ratos e homens”, de
John Steinbeck, desloca o cenário de um drama social para a intimidade de lutas
individuais perdidas. A crise econômica que se abateu sobre a América na década
de 1930, leva dois homens a peregrinar, de fazenda em fazenda, na Califórnia,
em busca de trabalho, pesado e mal pago. Com sacos de cereais aos ombros,
carregam também desejos frustrados e o peso de condição de vida sem
perspectiva. Steinbeck se concentra em indivíduos que vagam por terrenos que
minam seus sonhos e destroem suas realizações, e que estão derrotados à partida.
Há um determinismo coletivo nesta jornada que reproduz a cada pouso, um mesmo
modelo de miséria e solidão. Os personagens se arranjam em celeiros,
brutalizados pela pobreza de suas existências, procurando dar alguma sobrevivência
à ilusão de dignidade. A adaptação cênica de Kiko Marques costurou a trama com pontos
cheios de cuidados, mas se apropriando da ação como sequência dramática linear.
Atos e atitudes estão expostos, mas impulsos e razões ficam contraídos por
ambientação desfocada de contornos. As características psicológicas ressaltam
como únicas, integrando-se à narrativa como eixo central, ao qual escapa
contracena que estabeleça diálogo com o quadro. Faltou ao diretor, maior
intervenção em entrecho que é apenas uma sucessão de entrechoques, conduzido ao
desfecho de impacto. A montagem se mantém na superfície do relato, acumulando
as situações, dissociadas da sua base construtiva. A cenografia de Marcio
Vinícius acondiciona nas limitações do palco, os diversos espaços exigidos pelo
realismo de um celeiro. A iluminação de Guilherme Bonfanti empresta sombreado
ao ambiente tenso, e o figurino de Fábio Namatame veste em detalhe a pobreza
envolvente, desenhada pelo visagismo de Raphael Cardoso. A ausência de uma
atmosfera mais definida, que sustentasse a cena para além da exibição
sequencial, atinge, fortemente, a unidade do elenco. Os atores se distribuem
entre interpretações de uma frontalidade física e de um naturalismo opaco.
Ainda que Ricardo Monastero e Ando Camargo ganhem maior projeção por força de
seus personagens, os demais atores – Tom Nunes, Natallia Rodrigues, Cássio
Inácio Bignardi, Roberto Borenstein, Pedro Paulo Eva e Thiago Freitas – se
nivelam em um mesmo diapasão interpretativo.