quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Palco Nostálgico


Crítica da primeira montagem de Besame Mucho (1983)

Cenário de José Dias para a versão de Aderbal 
Alguém já disse que a obra de um criador nada mais é do que a eterna recriação de um só tema. Quando se pensa em Federico Fellini ou em Luis Buñuel, nada parece mais verdadeiro. Assistindo a Besame Mucho, de Mário Prata, mineiro, mas criado no interior de São Paulo, 38 anos, confirma-se esta afirmativa. A história de dois casais, oriundos de uma cidade pequena (Alburquerque), traça a sua convivência desde a adolescência até a idade adulta, mais precisamente, até a ruptura de seus respectivos casamentos. Como maior originalidade de Besame Mucho está a inversão temporal – o espetáculo começa com os acontecimentos ocorridos em 1982, terminando com os de 1962. Xico e Olga, Tucá e Dina vão sendo revelados através da formação pequeno burguesa com forte influência religiosa, das ressonâncias da cultura americana sobre seus comportamentos, via música e cinema, além das vivências políticas, que oscilam da mais completa alienação ao intenso ativismo. E procede-se a essas revelações aos poucos, como se fossem retirados os véus que escondem as suas mais primárias motivações, até atingir a essência e a origem das atitudes de cada um deles. Os desdobramentos ao longo desses 20 anos, em que se passa a ação dramática, constituem o cerne da narrativa, que Prata domina com bastante segurança. Estão embutidos na trajetória desses dois casais, elementos que o autor utilizou na novela de televisão Estúpido Cupido para referendar esse folhetim nostálgico da juventude perdida.
Mário Prata se revela mais seguro quando trata da adolescência dos casais, com diálogos deliciosos, cheios de observações precisas sobre o universo juvenil dos anos 60. E é quando o autor exercita com mais empenho o seu humor baseado na observação das atitudes da jovem dupla.
O diretor Aderbal Júnior aproveitou todas as insinuações teatrais do texto para construir verdadeiro jogo de espelhos, expresso até mesmo na criação do teatralíssimo e interessante cenário de José Dias. O caráter da representação é acentuado com o recurso, nem sempre muito eficaz da história paralela dos contra-regras que fazem os intermezzos entre elas. Mas Aderbal preferiu enfatizar como o artifício, o próprio ritual do teatro e, como poucos, sabe fazê-lo muito bem. Não se deixa envolver pelo psicologismo que o texto sugere, muito menos pela auto-complascência dos personagens. Supera os entraves com resoluto desenho de direção. Poético na medida certa (a inserção de músicas de Cesar Frank e de canções populares é de grande eficácia na criação de pausas), Aderbal Júnior equilibra muito bem as diversas informações que precisa lançar ao espectador.
Do elenco sobressaem Louise Cardoso e Jonas Bloch, que oferecem maior nuances de interpretação. Ela, aproveitando-se dos momentos de humor de sua Dina, está mais à vontade à proporção em que a personagem decresce de idade. Ele, acentuando o sotaque interiorano e compondo fisicamente as mudanças de Tucá. Natália do Vale é uma Olga um tanto linear e Henrique Pagnocelli se mostra  menos seguro nos momentos de crise do Xico. Completam a distribuição, Luiz Otávio e Clélia Guerreiro.

Estreado no Teatro Gláucio Gill em outubro de 1983

                                                                                                macksenr@gmail.com