domingo, 23 de janeiro de 2011

3ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ Adultério
Os descaminhos do casamento sob inspiração de Pirandello

Desta vez foi Pirandello que forneceu o material para que o diretor Daniel Herz repetisse com a mesma comunicabilidade da montagem anterior – Decote – a sua féerie de cenas que sublinha quadro teatral atraente. Sob o abrigo de tema do adúltero, o diretor apresenta no Teatro Gláucio Gill, sequência bem articulada de situações que enfatizam, com humor agridoce, as fluidas relações amorosas, que se fazem e desfazem ao sabor da inconstância dos sentimentos. Já na primeira cena, quando um casal caminha para a celebração das bodas, a formalidade dos sorrisos e do cerimonial é, tão somente, máscara social, já que sussurram impropérios que anunciam a vida futura em comum. Depois desta introdução, seguem-se outras demonstrações de traições impalpáveis, mentiras dissimuladoras, verdades mentirosas e ilusões reais. Com dramaturgia cênica que aponta para o bom humor e as possibilidades do jogo teatral, Herz mantém a montagem em ritmo intenso, sem que hajam quebras de interesse. A cenografia simples, mas à serviço da agilidade, de Fernando Mello da Costa e Rostand Albuquerque, e a bem desenhada iluminação de Aurélio de Simoni, compõem o enquadramento para o elenco transmitir com aplicação os movimentos do jogo. Sem destaques, com alguns atores mais ajustados a certas cenas e desenvolvendo com maior desenvoltura temperamento cômico, os intérpretes – Ana Paula Secco, Anderson Mello, Leandro Castilho, Marcio Fonseca, Paulo Hamilton e Verônica Reis -  revelam entrosamento e empenho. Este simpático espetáculo, que talvez repita soluções já vistas em montagens anteriores do diretor, pelo menos mostra coerência a linha de trabalho que chega à platéia com facilidade.    




Crítica/ Catadores de sonhos
À procura dos limites da utopia de catadores de ilusões cênicas


Não chega a ser um híbrido de dança, teatro e alpinismo, mas pretende ser o encontro dessas linguagens em processo de experimentação. Jadranka Andjelic define essa mistura de  “utopia com atores e alpinistas”, como se pudesse desta maneira explicar o que se assiste no Teatro Gláucio Gill. O espetáculo se inicia na parte externa do prédio do teatro, com os alpinistas fazendo demonstrações junto à parede, coberta por projeções abstratas. Constata-se a habilidade da dupla em se movimentar com alguma graciosidade, aquela permitida pelo aprisionamento das cordas. Feita a demonstração e imaginada a fixação do conceito de inversão gravitacional, entra-se no teatro, e depara-se com a sonoridade de grupo de músicos liderado por Thiago Trajano, que embala a platéia até o início efetivo da representação, na qual terá participação permanente. Na busca da utopia, atores-bailarinos-acrobatas dão partida à função de catadores de sonho. Esses saltimbancos se apresentam como artistas de rua reprimidos pela polícia, ventríloquos da voz de outros artistas que, tanto alardeiam lugares para existir fora do real, quanto coreografam as dificuldades do percurso. São cenas em que se dança, diz-se variados fragmentados textos recolhidos de “utopistas e, eventualmente, surgem alpinistas que, sobem e descem no fundo do palco. Nesta ampla performance, em que diversas caminhos são tentados (poucos conseguidos), alcançam-se alguns momentos, plasticamente,  envolventes, mas a distância que se estabelece entre a multiplicidade de linguagens se transforma em multiplicação de rumos, que conduzem mais ao desvio para áreas ingênuas (ainda que bem intencionadas) do que para encruzilhada de dúvidas artísticas inquietantes.
 



Crítica/ As Três Velhas
Bons atores em melodrama grotesco de subversão presumida


Esse texto do chileno Alejandro Jodorowsky parece tão velho (ou seria melhor empregar a palavra antiquado?) quanto as personagens que dão título à montagem, atualmente em cena no Teatro Poeira. Pelo menos nas suas intenções provocativas e nos propósitos referenciais ao “guignol”, ao melodrama e às teorias do autor em relação ao teatro-pânico, a narrativa se mostra perdida em formulações que remetem até ao surrealismo e a lembranças de outros textos. Como uma revisão amalucada de “As criadas”, de Jean Genet. É muita carga impressa sobre um “fait-divers” cômico, que se acredita capaz de chocar ou provocar rejeições pelos maus modos das velhinhas. Como foi escrita há pouco mais de sete anos, “As  três velhas” já nasceu fora de época, datada em suas desgastadas piscadelas ao bizarro, repleta de reversões de comportamento que apenas confirmam o “dejá vu”. O que seria subversão de linguagem, é mera reprodução de gêneros melhor explorados em suas vertentes por textos que efetivamente quebram preconceitos e se fazem arrebatadoramente mal comportados. Jodorowsky  utiliza somente as regras das escritas originais, apontando para semelhanças de autores fundadores dos estilos para compor vinheta de gêneros inexpressiva e requentada. Maria Alice Vergueiro encenou o que se mostra aparente, a pantomima da apropriação do bizarro. Apesar de contar com a participação de três atores – Luciano Chirolli, Pascoal da Conceição e a própria Maria Alice – competentes e que se inserem neste “melodrama grotesco”, como o define o autor, os truques cômicos que intentam não conseguem manter a pulsação do humor em cena. A montagem se arrasta em previsibilidades e o que parecia ser vizinho do absurdo, não ultrapassa o limite da convenção.          
                                                                                          



Cenas curtas
A coleção Aplauso está lançando mais uma edição, desta vez dedicada ao ator Rubens Corrêa. Com o título de Rubens Corrêa, um Salto para Dentro da Luz, o livro assinado por Sergio Fonta repassa a carreira do ator, registrando as suas atuações em O Arquiteto e o Imperator da Assíria, Hoje é Dia de Rock, O Futuro Dura Muito Tempo e Artaud. Para o autor, Rubens foi “senhor de seu espaço, comandante irrevogável, dilacerado e definitivo”.

O Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília inicia dia 3 de fevereiro a temporada de Quanto Tempo da Vida eu Levo para ser Feliz?, texto de Silvio Guindane, com direção do autor, e elenco que reúne Camila Amado, Denise Weinberg, Luís Carlos de Moraes, Isabel Guéron e Fernando Dolabella. A narrativa estabelece paralelo entre duas famílias de classe média que se entrelaçam através de seus conflitos e suas desavenças.




O que há (de melhor) para ver

A Lua vem da Ásia -  A ficção de Campos Carvalho é um modo de recriar universo atropelado por inconclusões e por visão um tanto niilista da existência. O diretor Moacir Chaves empresta ao monólogo um caráter múltiplo, conduzindo os espectadores pela jornada de alguém percorrendo dúvidas. Com o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, Chico Diaz transmite com ironia e sensibilidade o “sentimento do mundo” construído por Campos de Carvalho, numa atuação límpida e inteligente. Centro Cultural Banco do Brasil.

 Hair –A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermot, mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.
  
Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de um casal diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e inventiva cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.


Marcio Vito e Bel Kutner: relações contemporâneas


Histórias do Amor Líquido – Em três narrativas que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José imprime ritmo dinâmico e nervoso à montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira
                                                                                        

                                                                                                      macksenr@gmail.com