domingo, 30 de janeiro de 2011

4ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ R&J de Shakespeare Juventude Interrompida

Rodrigo Pandolfo: um intérprete de exceção

O enquadramento é de grupo de alunos de escola britânica, que sob a rigidez dos preceitos religiosos e da disciplina de internato, se libera na intimidade do dormitório para representação de Romeu e Julieta. Os rapazes, que se acomodam, a princípio com alguma gaiatice pelas veredas iniciais da trama, assumem, progressivamente, os papéis nas desventuras do jovem casal , no qual as identidades sexuais são rompidas (mais uma lembrança de Shakespeare, quando todo o seu teatro era formado por atores), e a narrativa se entrelaça com os impulsos e a ambientação que os envolvem. O  tom que se assume nos deixa pensar que a convenção da dupla representação, a dos alunos e a do próprio drama, vão se interpenetrando até se confundirem, não como universos paralelos, mas como unidade que sensibiliza desejos e repressão. A adaptação de Joe Calarco cria essa justaposição, partindo da disciplina rígida imposta pelo colégio (quase tão supressivas quanto as da disputa das famílias Montechio e Capuletto), e levadas ao paroxismo do desencontro até que, num truque simples de teatro, sinal sonoro repõe a realidade colegial.
 Nesta peça tão bem urdida e repleta de técnica de playwriting, o diretor da versão em cartaz na Arena do Espaço Sesc, estabeleceu dinâmica cênica, de acordo com o ritmo exigido pelo autor. João Fonseca mantém o mecanismo delirante da montagem em voltagem azeitada, que não prejudica a estrutura dramática da ação, e que se constrói no palco com igual habilidade da proposta do autor. O cenário de Nello Marrese, que envolve a arena com quadros negros e recorre a variados materiais escolares (réguas, giz e folhas de papel com inventivos usos cenográficos) e a iluminação de Luiz Paulo Neném, e ainda o figurino de Ruy Cortez, colaboram, decisivamente, para sustentar o dinamismo da direção. O elenco é outros dos elementos que contribuem para que R&J de Shakespeare  seja um dos espetáculos mais atraentes atualmente à disposição da platéia carioca. Felipe Lima, Pablo Sanábio e João Gabriel Vasconcellos se entregam à nervosidade necessária para que a roleta deste jogo de atuações gire na mesma rotação do eixo textual. São atores que incorporam suas habilidades interpretativas a cada momento em que lhes são solicitadas. Mas Rodrigo Pandolfo se destaca de maneira brilhante numa interpretação detalhada, em que circula pela farsa, pelo dramático e pela comicidade popular, com total presença e domínio de cada um desses detalhes de atuação. Trabalho sólido e de franca adesão às melodias do entrecho, que o público pode sentir como tributo à sua inteligência e justificativa à fidelização da freqüência ao teatro. Boas surpresas existem. Há que garimpá-las.



Crítica/ Me Salve, Musical

Será o musical a salvação do teatro?

Não há medidas para Pedro Brício explorar a mistura de generos neste musical, mas que igualmente é comédia e farsa, chanchada e revista, e que entre tantos escaninhos brinca com os atuais mecanismos produtivos do teatro. Se o musical está na moda e a comédia é tradição comercial intocada por seguidas temporadas, o experimentalismo dos espetáculos-cabeça, que tanto recorrem aos clássicos, está cheio de invencionices, que descodificá-los é tarefa de personagem de tragédia. São esses toques de ironia que Brício imprime à vontade de mostrar a salvação pelo amor, afinal de contas há que ir ao encontro do happy end e referendar as mensagens do romantismo via cinema. Mas ainda não é tudo. Como fica o absurdo de cotidianos muito pouco estimulantes e as frustrações de sentimentos fracassados e as obsessões por dinheiro?
Os personagens, presos na sala de embarque de aeroporto, à espera da partida para Nova Iorque, se envolvem por razões diversas, expondo sentimentos conflitantes e confusos, vizinhos do absurdo, sem saber como escapar de si mesmos, apelando para várias alternativas de representação das suas agruras. Chanchadeiros nos seus delírios, melodramáticos  nas suas obsessões, revisteiros em sua féerie exibicionista, cada um caminha por um estilo, obedecendo cartilha nada comportada. O que torna ainda mais atraente esta composição anárquica de estilos é a sua capacidade desviante de propor conclusões. Aquilo que se supõe ser comédia musical não cumpre a indicação, já que logo adiante se transforma em farsa crítica às tendências do teatro que se assiste por aqui. Por outro lado, aponta para comédia de costumes, um tanto capenga, que retira seu humor de constatações triviais. Destes improváveis rumos, Me Salve, Musical confunde propositadamente para lançar divertidas pistas que não deixam a platéia enveredar por nenhuma delas.  Fica no ar a brincadeira com vários generos, mas fica-se sem saber qual deles realmente nos salva? Ou ao teatro.
Pedro Brício dirige com os mesmos despistes que acumula na multiplicação de elementos narrativos que introduziu no texto. Estão no palco as várias modalidades que transitam pela escrita, o que reflete as possibilidades cênicas das situações que arranham o nonsense , mas que por outro lado sobrecarregam a montagem, alongando sua duração e provocando quebra de intensidade no humor. A direção de arte de Rui Cortez encontrou solução um tanto fria para o cenário, que ganha vida, no entanto, pela iluminação bem articulada de Tomás Ribas na sua variante de cores. As canções originais de Felipe Rocha estão integradas à sonoridade delirante geral. Gustavo Gasparani investe na característica de ator-comediante, que mesmo no prólogo e no epílogo, um tanto explicativos demais, segura a batida do humor. Susana Ribeiro não demonstra estar tão à vontade em registro que se distancia da maioria das suas atuações. Fernando Alves Pinto, em que pese dicção um tanto fechada, circula com ar meio ausente pelo psicanalista avoado. Isabel Cavalcanti, além de revelar voz para o canto, demonstra também saber explorar a risível instabilidade emocional da aeromoça carente. Keli Freitas, apesar da prosaica procura da garota pelo pai, é figura atraente. Celso André transmite a canastrice oportunista do homem de negócios. Juliana Medella tem aparições inusitadas com sua figura coleante e malabarismos desafiadores em espaços surpreendentes do teatro.     



Crítica/ Amor, Perdas e Meus Vestidos

Abobrinhas femininas vestem banalidades

Esta coletânea de comentários femininos sobre lembranças sobre o acervo dos armários de roupas, que pode ser visto no Teatro do Leblon, sofre do efeito Monólogos da Vagina. Tal como a sucessão de depoimentos sobre a intimidade das mulheres com seu órgão genital, Amor, Perdas e Meus Vestidos reúne em monólogos apresentados de maneira direta como as roupas marcaram, e marcam, as suas vivências. Não interessa muito se há dramaturgia que apóie tais declarações, ou mesmo o valor que se possa atribuir a tais comentários. Talvez, tanto como relação à Vagina..., quanto aos Vestidos..., o fato de se basearem em livro e terem sido levadas à cena como solilóquios que colocam atrizes e público frente a frente, e ainda assim conseguirem sucesso nas suas cidades de origem, Nova Iorque, naturalmente, a importação é quase uma vocação mercadológica inevitável. Por aqui, adapta-se para tentar importar o mesmo êxito. Nesta versão de Adriana Falcão para outra adaptação de Delia e Norah Ephron do livro de Ilene Beckerman, procura-se criar diálogos para que as atrizes possam contracenar, mas a maioria dos quadros é mesmo os de monólogos indisfarçáveis. É possível que a temática possa interessar a alguém, em especial a mulheres fúteis, de outra maneira o sucesso no exterior somente poderia ser explicado pelo vazio anestesiante que, muitos nomeiam como escapismo do divertimento. De todas as banalidades que são ditas – que roupa usar, as vestimentas na infância, a arquitetura dos sapatos, e outras  platitudes – a que consegue algum sorriso, ainda que tantas vezes repetida nas piadas sobre feminilidades, é sobre s mistérios das bolsas das mulheres. No mais, são as tediosas preocupações sobre o vestir, e a deslocada cena sobre o adoecimento, talvez para conferir ar dramático a tantas abobrinhas .
Alexandre Reinecke tenta tornar ágil o que, pela origem, é estático. As atrizes – Arlete Salles, Carolina Ferraz, Ivone Hoffman e Thaís Araújo – vivem burocraticamente os desejos e as aspirações de mulheres tão pouco ambiciosas e limitadas nas suas memórias. Ah, não se esqueçam que Amor, Perdas e Meus Vestidos é uma comédia, e para rir.           



Estante Teatral

A professora e ensaísta Neyde Veneziano, que desenvolve estudos sobre o teatro de revista como gênero e por como registro histórico do teatro nacional, lança mais outro livro na mesma linha. Desta vez, reúne a biografia de 41 vedetes com fotos de época sob o título de As Grandes Vedetes do Brasil. Entre as biografadas estão Virginia Lane, Mara Rubia, Carmem Verônica, Nélia Paula, Sonia Mamede, Eloína e até Bibi Ferreira, que têm as suas vidas profissionais destacadas em “verbetes biográficos”, como assinala a autora.  

Atualmente em cartaz no Planetário com Estilhaços, o diretor  Eduardo Wotzik  faz coletânea dos textos do espetáculo na versão em livro. Wotzik edita o roteiro da sua montagem com a seleção das cenas, 45 ao todo,  definidas como crônicas contemporâneas, que compõem a experiência do encenador na manipulação da linguagem.

O grupo mineiro Galpão, que procura sempre registrar a sua trajetória em publicações, volta a essa prática com Grupo Galpão: Uma História de Encontros, de Eduardo Moreira, fundador do coletivo em 1982 e até hoje integrante de todas as encenações. O livro trata da relação e dos processos de trabalho com os diretores que o Galpão trouxe para suas montagens. Em quase 300 páginas, Moreira avalia a participação de Paulo José, Gabriel Villela, Eid Eibeiro, Cacá Carvalho e Ulysses Cruz.

 A vida profissional da atriz Lillian Lemmertz no teatro, cinema e televisão é revisada por Cleodon Coelho no livro da coleção Aplauso que leva o nome da atriz de Quem Tem Medo Virigina Woolf?,(1965) e que tem como subtítulo Sem rede de proteção.            


O que há (de melhor) para ver

Chico Diaz no universo de Campos de Carvalho

A Lua vem da Ásia -  A ficção de Campos Carvalho é um modo de recriar universo atropelado por inconclusões e por visão um tanto niilista da existência. O diretor Moacir Chaves empresta ao monólogo um caráter múltiplo, conduzindo os espectadores pela jornada de alguém percorrendo dúvidas. Com o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, Chico Diaz transmite com ironia e sensibilidade o “sentimento do mundo” construído por Campos de Carvalho, numa atuação límpida e inteligente. Centro Cultural Banco do Brasil.

Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de um casal diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e inventiva cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.

Histórias do Amor Líquido – Em três narrativas que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José imprime ritmo dinâmico e nervoso à montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira.
                                                                                                                                                                                      macksenr@gmail.com