Crítica/ “Molière”
O universo é o da biografia e do teatro, e a
invenção, de fatos e de gêneros de representação. O texto da mexicana Sabina
Berman reúne o comediógrafo Molière e o
trágico Racine vivendo o dualismo da contracena na corte de Luiz XIV. Para além
das disputas, arbitradas pelo poder real e a censura exercida pelo poder
eclesiástico, o absolutismo das leis e a hipocrisia dos comportamentos determinam
o envolvimento e a dependência das benesses dos patrocínios. É nessa ambiente
em que opostos duelam e atitudes se manifestam como ditaduras, que Berman situa
os personagens referenciados e revisa histografias. A construção narrativa permite
diversas linhas de encenação pelas diferenças estilísticas propostas pela
autora. Opor para estabelecer o desequilíbrio das forças dramáticas parece ter
sido a característica dominante da direção de Diego Fortes. A montagem
paulista, em cena no Teatro Adolpho Bloch, é desabrida na exposição do
entrecho, confundindo crítica com gozação e impondo, artificialmente, trilha
musical com canções de Caetano Veloso. A encenação soa retumbante, um tanto
fora do seu eixo central, ao sobrepor elementos que se atropelam, e em alguns
momentos se negam. Mesmo a dissonância na intensidade e saturação nos meios,
“Molère” deixa evidente as suas opções, e em conjunto acaba por revelar-se comunicativa.
A cenografia de André Cortez e Carol Bucek e o figurino de Karlla Girotto reproduz
no visual a sobrecarga que sustenta o espetáculo, mas com algumas boas sacadas
na caracterização. O conjunto musical desempenha o seu papel de tornar ruidosa
a sua participação. No elenco de 15 atores, em que Matheus Nachtergaele
(Molière) e Elcio Nogueira Seixas (Racine) demonstram confortável assimilação
ao espírito da montagem, os demais atores se integram, em pequenas intervenções,
com atuações melhor sintonizadas ao estilo do humor predominante. Renato Borghi
imprime autoridade farsesca ao arcebispo Péréfixe, Nilton Bicudo é um divertido
rei Luiz XIV e Rafael Camargo tem ótima composição
como La Fontaine. Georgette Fadel (irmão de Racine) demonstra, com
surpreendente maleabilidade corporal e voz clownesca, além de marcar presença
na banda como trompetista, a certeza de que não existem papéis secundários.