quarta-feira, 4 de abril de 2018

Temporada 2018


Crítica do Segundo Caderno de O Globo (4/4/2018)

Crítica/ “Edward Bond para tempos conturbados”
Narradora desvenda universo do autor

Edward Bond, autor inglês, cria rebelde e irascível do The Royal Court, é quase inédito nos palcos brasileiros, Com poucas montagens, a maioria em circuitos alternativos, a escassez de seus textos por aqui talvez se explique pela ousadia de uma dramaturgia de urgência e por se situar radicalmente num tempo que abriga horrores como Auschwitz e Hiroshima. Para além de refletir sobre as misérias de um período, trata em peças, ensaios e entrevistas, das formas cruéis de se estar na vida. A qualquer tempo. Faz perguntas como é possível ter humanidade em um mundo desumano. E sentencia que não se pode falar de nossa época, sem definir loucura. A dramaturgia de André Pellegrino reúne os fundamentos do autor na coletânea cênica de “Edward Bond para tempos conturbados”. São textos curtos, demonstrativos de uma inquietação descrente e de um cinismo indignado, que desvendam preconceitos em programa de quizz televisivo. E que confronta, da pré-história a contemporaneidade a existência do conceito de cidadania. Os mecanismos sociais são remoídos para tentar encontrar algum momento em que houve senso de justiça. Desvenda nova forma de escravidão, na qual a voz só emite o som das correntes. Nesses fragmentos de uma obra em atrito com o real, a adaptação incluiu citações brasileiras, oportunas como atualidade, e sinônimas na globalidade. Pellegrino lança, em sequência, as imprecações de Bond diante de tanta conturbação, mostrando que é a vez de estar cara a cara com a nossa temporalidade. Daniel Belmonte manipula material dramático de situações provocativas e ação significante com visão  entre os dois polos expressivos. O diretor demonstra domínio do universo bondiano, mas as condições de produção tornaram tímidas e contraídas as boas soluções. Equilibra bem o humor e dosa com leveza a carga das palavras, faltando sarcasmo e indignação reflexiva. A contundência que poderia surgir das cenas, ficam prejudicadas pela domesticação dos meios, que exigiriam maior peso cenográfico e na  atuação do elenco. Susanna Kruger confere autoridade vocal e experiência interpretativa como narradora. Alice Morena, Fernanda Melvin, João Sant’Anna, Leonardo Bianchi e Lívia Feltre são impulsionados pelo empenho  em alcançar a alta temperatura do texto.