quarta-feira, 28 de março de 2018

Temporada 2018


Crítica do Segundo Caderno de O Globo (28/3/2018)

Crítica/ “Romeu e Julieta”
Tragédia lírica em embalagem de tom quase musical

Clássica popular, a “tragédia lírica” do casal em desencontro em vida e encontro na morte, se amoldou a tantos tratamentos, no teatro, cinema e em variadas transcrições, permanecendo íntegra na sua dramaticidade romântica. A popularidade, desde a escrita de Shakespeare no século XVI, é tão duradoura quanto a trama mantém a capacidade de sensibilizar plateias neste tempo alongado. As possibilidades de recriar entrecho de apelo emocional e métrica onírica são imensuráveis, como provou Gabriel Villela, em 1992, quando levou às ruas, e sobre a carroceria de camionete e no espírito de commedia dell’arte e circo, as desventuras do jovem par. A adaptação de Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche embala a montagem dirigida por Guilherme Leme Garcia com acordes de musical. O gênero embrulha o drama com roteiro de canções que se introduzem, com maior ajuste seletivo do que organicidade estilística. O musical não confronta a ação, apenas segue, em triagem atenta, as indicações emotivas do texto. O repertório de 28 músicas é extensivo de Catulo da Paixão Cearense (“Ontem ao luar”) a cântico gregoriano. De Marisa Monte e parceiros (“Amor i love you” e “Bem que me quis”, entre outras) a Roberto Carlos (“De que vale tudo isso”). Todas elas se encaixam, mas são insuficientes para fixar o molde. O diretor concebeu a cena como musical, ainda que nesta versão sobressaia muito bem a palavra shakespeariana e sem que a palavra cantada a comprometa. A direção vocal de Jules Vandystadt e a musical de Apollo Nove apoiam com competência o octeto instrumentista e os atores-cantores. A coreografia de Toni Rodrigues se inscreve em linha de funcionalidade. O cenário monocromático e operístico de Daniela Thomas, e a iluminação dramatizada de Monique Gardenberg e Adriana Ortiz, deslocam, visualmente, o eixo narrativo ao plano da história trágica. O figurino de João Pimenta se adapta, com algum desequilíbrio nos brilhos e na brancura da cena do baile, aos acertos nas capas dos quadros rituais e no lençol vestimenta de Julieta. Bárbara Sut é uma Capuleto de voz melodiosa. Thiago Machado, um Montecchio de pouca impetuosidade nas disputas e no romantismo. Ícaro Silva (Mercuccio) e Stella Maria Rodrigues (Ama) têm boa presença interpretativa. Kakau Gomes e Claudio Galvan marcam pela qualidade da voz. Os demais atores compõem conjunto que atua em sintonia com a duplicidade de linguagens como esta versão de “Romeu e Julieta”, envolvente e comunicativa, chega a plateia sempre receptiva.