quarta-feira, 21 de março de 2018

Temporada 2018


Crítica do Segundo Caderno de O Globo (21/3/2018)

Crítica/ “A visita da velha senhora”
A senhora em diálogo aberto com a plateia

A narrativa do suíço Friedrrich Dürrenmatt, que estreou em meados da década de 1950, adquire sentido épico de saga de uma vingança, que tipifica, exemplarmente, os mecanismos sociais de uma pequena humanidade.
Clara, a velha senhora, volta à cidade em que nasceu e de onde saiu adolescente e grávida, abandonada pelo namorado. Depois de décadas, reencontra a aldeia mergulhada na pobreza e oferece aos moradores quantia milionária em troca da vida daquele que a abandonou. Deformada por sucessivos acidentes, expondo a sua riqueza, cercada de séquito de hipócritas, a recém chegada se reveste do poder de manipular consciências, refazendo pela sugestão de um ato coletivo, o recibo do que lhe foi devido. A presença desta heroína às avessas impõe característica brechtiana à personagem, aquela que demonstra por atitudes o papel de cada um no tabuleiro social. Para completar a sua vingança, expõe, em seguidos movimentos didáticos de cinismo, a tessitura dos comportamentos, criando quadro abrasivo que referenda e é a sustentação da dramática do autor. A intenção de Clara e o motivo de seu ato, ultrapassam o desenho cênico do diretor  Luiz Villaça, voltado para um espontaneísmo de comunicação que arranha as bases  do texto e apaga o seu alcance. A montagem, ao perseguir comunicabilidade irrestrita, abandona o que se propõe como crítica, em favor da ilustração popular. O público é instado a participar, seja em torcida, canto e apoio, se integrando em presença, mas distante em reflexão. Os papéis símbolos da justiça, igreja e governo se desintegram com a mesma facilidade com que os demais habitantes da aldeia de Güllen se tornam secundários diante da trama reduzida a concretização de uma desforra. Falta detalhar o caminho, singularizar os passos, investir no mistério de uma partida até alcançar o desfecho de uma miséria moral. O elenco, em que os atores se dividem em múltiplos personagens, não há como fazer distinções, senão sob perspectiva de grupo. Denise Fraga ativa o seu temperamento de atriz-comediante, expandindo a linha de diálogo aberto com a plateia proposto pela direção.