Crítica
do Segundo Caderno de O Globo (28/9/2016)
Crítica/ “O escândalo de Philippe Dussaert”
O monólogo em forma de conferência do francês Jacques
Mougenot revela a existência de um pintor, o tal Phillipe Dussaert de um escândalo no
mercado de arte. De copista dos clássicos, evolui para produção heterodoxa,
diante da qual conceitos precisam ser revistos, e a recepção aos seus trabalhos,
refenida. As mudanças sofridas por sua obra, pequena, mas polêmica, provocam
sismos, tanto na crítica quanto na academia, e assim como na política de
aquisição de museus internacionais e até mesmo no Ministério da Cultura da
França. Vida e criação são expostas por conferencista que confessa não ser
especialista em arte, muito menos jornalista ou marchand, apenas alguém
interessado em desvendar o mistério que envolve intrigante existência e
invenção provocativa. Ao desvendar para a plateia os motivos de tanta celeuma
em torno de um artista praticamente desconhecido, o palestrante conclui que a
verdade do personagem somente será descoberta pela ilusão mentirosa do teatro.
Mas se esta é a conclusão poetizada, o percurso é concretamente mordaz em
relação à arte contemporânea. Nada fica de pé no circuito artístico, da
necessidade do discurso à “significância do não-signo”. Da manipulação
mercadológica à “representação do nada” e da “plenitude do vazio”. Bem humorado
e irônico, o autor sustenta uma comédia inteligente à francesa, repleta de
referências e em formato tradicional. Não por acaso, Jacques Mougenot
mantém “ O escândalo de Phillippe Dussaert” em cartaz em Paris, há
dez anos, com ele também como ator no palco. A versão brasileira, na tradução
de Marilu de Seixas Corrêa, se adapta ao temperamento interpretativo de Marcos
Caruso. O diretor Fernando Philbert encontrou na espontaneidade comunicativa de
Caruso, a chave que faz circular a crítica corrosiva sem perda das citações referenciais.
Com cenário limpo de Natalia Lana, vídeos divertidos de Rico Vilarouca, e
iluminação de Vilmar Olos, a montagem vive, de origem e substancialmente, da
capacidade que o intérprete único tem de catalisar os ouvintes com suas falas
de toques cortantes de humor. Marcos Caruso estabelece vínculo com o
espectador, a partir de uma naturalidade que não rouba a impostação mais formal
do texto e o tom aguda de sua crítica. O ator conquista a plateia, trazendo-a
para o centro da cena com a facilidade de uma conversa afiada pela cumplicidade
de uma “troca de ideias.