quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (7/9/2016)

Crítica/ “Acorda pra cuspir”
Em direção ao humor corrosivo
O universo de Eric Bogosian está fincado na cultura americana, da qual retira de suas manifestações, explícitas ou subterrâneas, a sua dramaturgia. Seus personagens são fronteiriços a desejos irrealizáveis e a idealizações escapistas, alimentados por imagens sociais de poder, fama e sucesso. Dessas ambições, ficam apenas atitudes hipócritas, respostas cínicas, vontades frustradas, drogas viciantes e aproximações à loucura. Mesmo em seus textos menos ambiciosos, como “Acorda para cuspir”, Bogosian exercita, com humor caustico, a descrença no sempre renovado espetáculo vazio das aparências. Neste monólogo, o José da Silva da tradução brasileira vive situações que expõem formas diversas das perversidades cotidianas e do ridículo das expectativas. Há um quadro de desolação em que se movimenta esse joão-ninguém, que explora, em contínuos esquetes,  o campo minado das insatisfações. Tanto na abertura, quanto no final, o autor deixa bem claro seu ceticismo em relação a comédia da vida social, provocando o riso como inquietação corrosiva. A montagem de Daniel Herz procura se ajustar ao estilo de Marcos Veras, comediante oriundo do stand-up e moldado no humorismo popular. O diretor e o cenógrafo Fernando Mello da Costa criaram bonecos em escala semelhante, na roupa e na altura, a do ator para facilitar a contracena e ilustrar o contexto. A solução se torna dispensável nesta tentativa de provocar uma ação e de atenuar lembranças da carreira, mas sem abandoná-las. O tempero do humor desanda, e patina na área híbrida da dupla caracterização: da comicidade direta e da provocativa. A julgar pela leitura do texto, o que se pretende é desassossegar, não fazer rir como estímulo imediato. A música original de André Abujamra, a iluminação de Aurélio de Simoni, e a direção de movimento de Duda Maia apoiam Marcus Veras na sua atuação, que registra definitiva viragem como intérprete. Ainda que demonstre alguma restrição em se despregar do papel de contador de piadas para se transformar em intérprete de histórias, Veras avança bem mais do que uma eventual exploração de novas possibilidades profissionais.