quarta-feira, 11 de maio de 2016

Temporada 2016

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (11/5/2016)

Crítica/ “Memórias de Adriano”
Uma adaptação com horizontalidade

Não são poucas as armadilhas para a adaptação de obra literária para o teatro. Os recursos para a transposição se contraem na medida da complexidade do original e pelas dificuldades enfrentadas, no novo meio expressivo, de projetar a integridade do modelo. E não se trata apenas de uma questão formal, mas de estabelecer correspondência em estilos distintos. A versão teatral do romance  “Memórias de Adriano”, de Marguerite Yourcenar, assinada por Thereza Falcão, tem o inegável mérito de condensar o relato autobiográfico em formato epistolar de Adriano ao seu sucessor no trono, com o mínimo de perdas previsíveis no percurso do transporte. O imperador e suas batalhas na guerra política  e o homem de amores duplos e dúvidas incontáveis, emergem, na escrita de Yourcenar, com força narrativa da vida que definha e do poder que exerce. A extensão desta grandeza existencial que o livro dimensiona em contexto histórico, sofre restrições e reducionismo quando ambientada para o palco. É inevitável que isso aconteça com linguagens em escala diferente, mas as exigências de entrecho e tempo cênicos diminuem a densidade do que é construído como literatura e absorvido no ritmo das frases. Inez Viana busca atualização temporal que, ao que parece, tentaria aproximar a plateia de um universo que soa distante e pouco comunicativo. Se esta foi a razão, a diretora acentuou o que a adaptadora não procurou driblar. A presença de músico em cena se justifica para preencher os intervalos entre os movimentos do ator. Ao cenário, com painel de radiografias, é possível atribuir tantas interpretações quanto é intrigante a exposição das chapas. A troca de figurino, de um robe-túnica romano a um terno atual, pouco contribui para melhor situar o espectador. O uso de microfone e a introdução de canção italiana também fazem parte da intenção de tornar menos pretensioso o que pediria alguma solenidade. Luciano Chirolli com físico e voz portentosos, tira partido dessas características numa atuação em que lhe é exigida agilidade e projeção sonora. A imponência da sua figura não compensa relativa uniformidade na apropriação das palavras nuançadas e na alternância de estados emocionais definidos.