Crítica/ “Galáxias
I”
Em um dos ângulos do cenário de “Galáxias I: todo
esse céu é um deserto de corações pulverizados”, em cena no Mezanino do Sesc
Copacabana, está fixado o cartaz de “A classe morta”, criação de Tadeusz
Kantor. Não é apenas um afiche na
parede, mas indicador para muito que Luiz Felipe Reis quer propor com esta
terceira encenação de uma carreira de quatro anos. As teorias do fundador do
grupo polonês Cricot 2 levaram ao paroxismo de espaço e tempo, e à
multiplicidade ambígua da forma, a esse ensaio, reflexão, performance,
instalação e drama apocalíptico, acionado como ponto de inflexão do que Kantor deflagra
como máquina de vida e morte. As cartas de um professor à sua irmã, deixadas ao
casal vizinho, após seu suicídio, se entrelaçam às suas conferências, que fazem
inventário do fim inescapável da civilização terrena. A morte está naquilo que
é subtraído da natureza e nos faz surdo ao estrondos da sua degradação, e que
ressoa no cotidiano pulverizado de qualquer sentido. O pensador com ambição de
“entender” as relações cósmicas, faz de si mesmo metáfora do fim. A dupla com
desejo de se encaixar no mundo, faz da tentativa, símbolo do fracasso. Sem
determinismo existencial ou validação científica, a obra de escritor argentino
que inspirou a dramaturgia, enreda por essas camadas narrativas, as quais o
diretor Luiz Felipe acrescentou outras tantas, parte delas com apontamentos
sobre a existência agora e a exploração nada ficcionais de questões
tecno-científicas. Para tanto, desenhou roteiro cênico em que os elementos a que
recorre (palavras projetadas, registros de imagens, seriação musical, iluminação
crua do neón, atuação performática, simultaneidade de cenas reais a sua
exibição) se acumulam num fluxo polifônico, como é da essência e da
nomenclatura que define a companhia. São múltiplos os estímulos à percepção e ousada
a extensão de tocar “tragédia contemporânea”. Se no estágio de realização, o
autor-diretor demonstra fixação de universo temático, no plano da linguagem se
mostra coerente, maturado e inquieto no manejo de seus meios expressivos. Mas “Galáxias
I” estabelece maior diálogo da cena consigo mesma e com tal carga de
intencionalidade, que distende ao limite da cifra a razão da palavra. Entre o
céu desertificado pela procura de conhecer e o coração fragmentado pela dúvida
de existir, o olhar para tão amplo universo fica enublado pela sôfrega tentativa
de alcançar um incerto sentimento do mundo.