Crítica/ “Diários do abismo"
Já há algum tempo, e por variadas justificativas,
os monólogos ocupam a cena carioca em progressão numérica e conceituações
múltiplas. Questões de produção são alegadas, prioritariamente, como o motivo
mais relevante. É um deles, mas, algumas vezes, esconde mais do que denuncia.
Escolhas temáticas, que se baseiam em obras literárias, agendas
sócio-políticas, narrativas clássicas e até depoimentos pessoais, quase sempre
camuflam as dificuldades de adaptação à individualização cênica. As
possibilidades de encontrar a dramaturgia, no texto e na cena, e traduzi-la
como expressão real teatral, esbarram nas limitações do discurso monodramático,
e no empréstimo, comumente postiço, da obra transcrita. “Diários do abismo”, em
cartaz no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil, se enquadra na maioria
dessas premissas. Baseado no livro-depoimento de Maura Lopes Cançado, “Hospício
é Deus”, escrito nos anos 1960, a partir de uma de suas internações em hospital
psiquiátrico. A adaptação de Pedro Brício seleciona algumas datas do diário que
revelam muito mais as condições prisionais dos tratamentos do que a “lógica
existencial” dos delírios do inconsciente. O livro inspirador se fixa na
biografia de alguém que descreve a si mesma como impossibilidade de convívio
com o mundo. Biográfica, desde as reminiscências de infância às tentativas
frustradas de casamento, profissionais e
de convivência, a narrativa é balanceada por frases que buscam a
sinceridade do literário como expressão construída do desajuste. Esse material
foi trabalhado pelo diretor Sergio Módena para modula-lo para além da forma
expositiva da atuação. Para tanto, se cercou do dispositivo cenográfico de
André Cortez e da iluminação de Paulo Cesar Medeiros para impor mobilidade à atuação
frontal. Colções de espuma que figuram pessoas, projeções que reafirmam as
palavras, luzes expandidas e sonoridade eventual dão movimentos ao imobilismo
da fala direta. Sem acentuar passagens, o diretor amplia, com sutileza, alguns
momentos, evitando um possível e ameaçador dramatismo. Se no passado, os
monólogos serviam para um certo exibicionismo, ora confortável, ora
virtuosístico, agora as razões da interpretação do gênero precisam emergir da
própria dramaturgia. Maria Padilha empresta, com alguma sensibilidade e leveza,
o testemunho de uma história em estado de desequilíbrio. A atriz cumpre o
papel, mas não o confronta com os abismos que propõe.