quarta-feira, 4 de julho de 2018

Temporada 2018


Crítica/ “A mentira” 
Arremessos críticos ao melodrama rodriguiano
A novela “A mentira”, que Nelson Rodrigues publicou em capítulos nos primeiros anos da década de 1950, já trazia personagens, nomes, situações e diálogos que reproduziria em futuros textos teatrais. Ao estilo de melodrama e com sotaque carioca, a história de um pai atraído pela filha, grávida de um homem paralítico e cobiçada por cunhados e cercada de irmãs e de mãe submetida ao marido, o folhetim, antes de antecipar deslocamentos ao palco, projeta as mais caras obsessões do autor. O formato é o que o distingue da futura produção dramatúrgica rodriguiana, que traz indisfarçável sentido trágico e algum determinismo existencial. Publicação em capítulos, descritiva, e criada para ser lida, quando transcrita para cena, sugere a pergunta: o que o original provocou na Cia. OmondÉ para levá-lo ao Teatro Glaucio Gill? Teria sido experimentar a possibilidade do jogo de atores em interpretações quase lúdicas? Ou uma maneira de comentar, em tom que arranha a brincadeira, o estilo derramado da narrativa? E ainda criar gadgets cênicos para apontar anacronismos na linguagem. A diretora e adaptadora Inez Viana responde a essas dúvidas com montagem que se apropria de sinais, provavelmente retirados de avaliação do universo de Nelson (a cidade e o futebol). E lança em campo uma jogada muito movimentada, repleta de firulas, mas sem metas. Os atores - André Senna, Lucas Lacerda, Inez Viana, Elisa Barbosa, Junior Dantas, Leonrado Brício e Zé Wendell – demonstram maior habilidade como atletas do que intérpretes centrados em atuações de base física melhor justificada. Em múltiplos papéis, intercambiados entre eles, se tornam indistintos numa ocupação de cadeiras da plateia e de proximidades com o público, diluindo as identidades em saltos e arremessos de bolas de futebol e sandálias de dedo. O choro é representado por borrifar água nos olhos, e este é apenas mais um efeito propositalmente pueril para encenação que apela à trivialidade no tratamento de um gênero e à crítica desarticulada ao pensamento do autor.