Crítica do Segundo Caderno
de O Globo (29/7/2017)
Crítica/ “Estes fantasmas!”
![]() |
Fantasmas que assombram a farsa |
A farsa de
Eduardo de Filippo, que trata fantasmagoria como recurso de humor, é bem
diferente das suas comédias napolitanas vividas em ambientes domésticos. O eixo
cômico se desloca para um certo tom amargo ao qual personagem central se
entrega para manter a relação com a mulher que o traí. Ao alugar velha casa,
para transformá-la em pequeno hotel, é informado, por empregado esperto, de que
os cômodos são tomados por assombrados acontecimentos. Os sinais dessas
presenças estranhas aparecem, em coincidentes situações, que o novo
inquilino não deixa escapar, se aproveitando para lucrar, material e
afetivamente de cada uma delas. As características farsescas de uma trama de
vaudeville, escondem as pretensões do autor de apoiar a narrativa em textura
mais encorpada. Pascoal será ingênuo ou aproveitador? A quem quer enganar? A si
mesmo ou aos outros? A ambiguidade do personagem é de que trata de Filippo. Mas
tantos anos depois da estreia, em 1946, as dubiedades ou malandrices de um
homem apaixonado parecerão tão somente aquilo que expõe. Nenhuma camada para
além da textura das situações. A direção de Sergio Módena se manteve no plano
da ação cômica, sem explorar quaisquer apontamentos que, eventualmente, o texto
pudesse insinuar. O vaudeville explícito prevalece à farsa-cabeça. Ainda assim,
o diretor não sintoniza a frequência ágil do gênero à comicidade de resultado.
O riso é provocado e funciona muitas vezes, ainda que a atmosfera geral do
humor não esteja muito clara em cena. Em parte, pela necessidade de que haja
bem orquestrado jogo de atuações, que mantenha o ritmo nas entradas e saídas, e
intensa contracena com a tipologia das caracterizações. A cenografia austera e
solene de Doris Rollemebrg serve à imagem de decadência de antiga mansão. A
iluminação de Tomás Ribas complementa esse ar arruinado. O figurino de Mauro
Leite comenta como bom humor as roupas femininas. A registrar a direção musical
de Marcelo Alonso Neves. No elenco, Rodrigo Salvadoretti e Celso Andre
adotam linha caricatural. Gustavo Wabner explora com timidez as aparições
do amante. Ana Velloso é uma esposa descolorida. Stella Freitas tira melhor
partido da sua divertida aparição. Alexandre Lino, cujo personagem apresenta o
entrecho, é quem melhor lança e sustenta o caráter duvidoso dos comportamentos.
Thelmo Fernandes, mais contido em seu temperamento popular de humor, aproxima
Pascoal da sua sonsa e ardilosa natureza misteriosa.