sábado, 8 de julho de 2017

Temporada 2017

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (8/7/2017)

Crítica/ “A guerra não tem rosto de mulher”
A guerra sob a ótica de um balé corporal feminino


O livro “A guerra não tem nome de mulher”, da escritora bielorussa Svetlana Alexievich, traz para o campo de batalha, depoimentos femininos que extravasam a associação masculina às frentes de batalha. São relatos que se debruçam sobre diferentes perspectivas, de testemunhos factuais a emotivas descrições, na captação das pequenezas da grande destruição. Para além dos papéis a elas atribuídos nas escaramuças, de enfermeiras a funções na retaguarda, Svetlana destaca a vontade de pegar em armas e participar do que, a princípio, consideravam dever. A percepção dos horrores e das semelhanças humanas entre vencidos e derrotados, as conduzem a rastrear, com olhar dos sentimentos, os despojos que as sobreviventes veem pelo caminho da terra arrasada. A dramaturgia coletiva das atrizes Carolyna Aguiar, Luisa Thiré e Priscilla Rozenbaum, e do diretor Marcello Bosschar  selecionou, em meio a múltipla oralidade do livro, o que melhor se traduziria em fala cênica. Na adaptação teatral, foram retiradas quaisquer referências históricas para que sobressaíssem a comoção provocada pela primeiro tiro certeiro, a desesperada maternidade assassina e os cuidados com a aparência resistentes às adversidades. Na escrita, a pluralidade de vozes é a razão mesma da estrutura narrativa, enquanto a transposição para o palco procura nas alternâncias de climas unidade tonal inalcançável. A preocupação em encontrar um estilo mais solto, sem apoio cenográfico e com balé corporal, deixa em plano secundário visão mais sólida do pano de fundo que provoca os discursos das mulheres. A guerra está distante, até mesmo quando ditada pela emoção, como se a palavra perdesse a força ao ser reproduzida sem a carga de sua matriz reflexiva. O trio de atrizes percorre as diversas locuções com jogo cênico ajustado.