sábado, 22 de outubro de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (22/10/2016)

Crítica/ Garota de Ipanema, o amor é bossa”
Dança das cadeiras que se desvia do título

Roteiro de canções que embala história dispersiva com ambientação desértica e técnica desgastada, “Garota de Ipanema, o amor é bossa” é um equívoco a partir do título. O que está no palco do recém inaugurado Teatro Riachuelo não é a moça que passa com seu doce balanço, muito menos um musical que revive um movimento ou época da vida cultural carioca. Tão esquemático quanto o casal protagonista é o rotineiro da trama e da concepção cênica. Não há improviso, mas um arranjo mal dimensionado do libreto fraco em montagem burocrática. A narrativa se estende dos anos 50 ao pós-64, em uma cronologia que serve artificialmente de cenário ao inexpressivo par romântico. A autora Thelma Guedes cria entrecho carregado de situações que pouco ilustram as quase 50 composições, que desfilam, em encaixe preguiçoso, por dois longos atos. O repertório da bossa nova é aproveitado na totalidade dos seus hits, com acréscimos circunstanciais de Chico Buarque e até de Chopin, além do medley de “Garota de Ipanema” em diferentes idiomas. Essa inclusão seria uma curiosidade para justificar o título? Os origamis da cenografia de Hélio Eichbauer se perdem e intrigam, soltos no imenso palco. Cadeiras são os acessórios que definem o espaço e compõem, com a frenética movimentação do elenco, a coreografia de passos previsíveis. A direção musical de Délia Fischer uniformiza a sonoridade, sufocando a particularidade das canções. Gustavo Gasparani organiza os blocos de atores como coro articulado à serviço da dança das cadeiras. Se o efeito épico do final do primeiro ato parece eficiente visualmente, nas demais cenas o objeto se transforma em elemento substituto do vazio em espetáculo de escassez. O diretor não imprime qualquer marca autoral que identifique uma assinatura, senão aquela de alinhavar fragilidades com fios desencapados. O elenco de apoio, que se distribui pelas funções de cantores e bailarinos, com o papel adicional de desenhar a cenografia, leva com disposição a maratona até o final. Mas desafinam ao tentar reproduzir as figuras de personagens reais. Cláudio Galvan dá visibilidade ao torturador, aproveitando o destaque do último quadro, antes do intervalo. Cláudio Lins, com postiço sotaque americano, se garante pela voz. Letícia Persiles e Thiago Fragoso se mostram tão irrelevantes como o interesse que podem despertar seus personagens.