Crítica/ “A
mentira”
A novela “A mentira”, que Nelson Rodrigues
publicou em capítulos nos primeiros anos da década de 1950, já trazia
personagens, nomes, situações e diálogos que reproduziria em futuros textos
teatrais. Ao estilo de melodrama e com sotaque carioca, a história de um pai
atraído pela filha, grávida de um homem paralítico e cobiçada por cunhados e cercada
de irmãs e de mãe submetida ao marido, o folhetim, antes de antecipar
deslocamentos ao palco, projeta as mais caras obsessões do autor. O formato é o
que o distingue da futura produção dramatúrgica rodriguiana, que traz
indisfarçável sentido trágico e algum determinismo existencial. Publicação em
capítulos, descritiva, e criada para ser lida, quando transcrita para cena,
sugere a pergunta: o que o original provocou na Cia. OmondÉ para levá-lo ao
Teatro Glaucio Gill? Teria sido experimentar a possibilidade do jogo de atores em
interpretações quase lúdicas? Ou uma maneira de comentar, em tom que arranha a
brincadeira, o estilo derramado da narrativa? E ainda criar gadgets cênicos para apontar
anacronismos na linguagem. A diretora e adaptadora Inez Viana responde a essas
dúvidas com montagem que se apropria de sinais, provavelmente retirados de
avaliação do universo de Nelson (a cidade e o futebol). E lança em campo uma
jogada muito movimentada, repleta de firulas, mas sem metas. Os atores - André
Senna, Lucas Lacerda, Inez Viana, Elisa Barbosa, Junior Dantas, Leonrado Brício
e Zé Wendell – demonstram maior habilidade como atletas do que intérpretes
centrados em atuações de base física melhor justificada. Em múltiplos papéis,
intercambiados entre eles, se tornam indistintos numa ocupação de cadeiras da
plateia e de proximidades com o público, diluindo as identidades em saltos e
arremessos de bolas de futebol e sandálias de dedo. O choro é representado por
borrifar água nos olhos, e este é apenas mais um efeito propositalmente pueril
para encenação que apela à trivialidade no tratamento de um gênero e à crítica
desarticulada ao pensamento do autor.