domingo, 27 de fevereiro de 2011

8ª Semana da Temporada 2011

Crítica/A Eva Futura


Especulações passadistas sobre possibilidades de futuro

Os problemas de A Eva Futura são mais evidentes pela sua origem. A trama narra a experiência de Thomas Edison na criação de réplica de uma criatura a quem atribui qualidades das quais a original era desprovida. O processo da construção deste novo ser, os preâmbulos do acordo feito com aquele que queria ter uma mulher mais inteligente, e não apenas bela, já seriam por demais cansativo, se além deles temos que nos confrontar com diálogos nada envolventes. Verborrágico e desinteressante, o texto traduzido, adaptado e dirigido por Denise Bandeira, que pode ser visto no Teatro do Sesi, demonstra estar comprometido com dramaturgia inconsistente na inabilidade em desenvolver o material dramático. A fragilidade da narrativa recebeu tratamento cuidadoso na montagem. O cenário de Helio Eichbauer, os figurinos de Rita Murtinho e a iluminação de Paulo César Medeiros revelam bom nível de execução. Ana Velloso tem participação em vídeo, enquanto José Antonio Meira, Louri Santos e Daniel Zubrinsky se distribuem em pequenos papéis. Bruno Ferrari se mostra inconvincente, com gesticulação excessiva, em personagem mal desenhado de origem. Larissa Maciel é uma bela figura em cena, beleza ressaltada pela elegância como a atriz veste o figurino. Pedro Paulo Rangel, surpreendentemente, transmite eqüidistância dispersiva na sua atuação como Edison.  


Crítica/ Estilhaços


Cacos afetivos em espaço de um presente em  branco

De certo modo, Eduardo Wotzik com Estilhaços segue tendência cada vez mais presente no teatro de nossos dias. Falar de si, ou daquilo que o afeta ou interessa como objeto da suas vivências ou do que o circunda. Esta fragmentação de impressões sobre maneiras de conviver com o mundo, e consigo mesmo, filia Wotzik a essa vontade insistente de se desvendar nos palcos. Nada do que se fala nesta montagem em cena no Museu do Planetário da Gávea, pode ser considerado biográfico, afinal o autor reflete sobre a arte (“ Queria passar mais tempo mergulhado no ambiente que a beleza aconchega. ... a arte deixa a gente tão quentinho”), o simples estar no mundo (“Pensar pode ser muito divertido.”), as relações afetivas (“Vez por outra sinto uma sede de encontro.”) em flashes que capturam momentos em meio a um existir ruidoso e dispersivo. Na suave explosão das palavras, o autor e diretor ordena os estilhaços que se espalham pelo espaço-instalação de José Dias – uma sala branca com cubos onde o público se acomoda e entre os quais o elenco se movimenta. Nesta circulação de sentimentos expressos em pequenos toques sobre instantes vividos ou capturados em meio a banalidades do cotidiano, Eduardo Wotzik criou um recital, despretensioso, que ao se referir a ele mesmo, deixa impressões sobre o que está à sua (nossa) volta. O quarteto – Analu Prestes, Clarisse Derzié Luz, Marcos França e Ricardo Kosovski – está afinado nesta sinfonia de palavras soltas no espaço teatral, que se dramatizam de acordo com os sons dessas vozes múltiplas que expõem intensidades dos cacos afetivos. Em pedaços, sem cronologias ou maiores alternâncias de climas interpretativos, os atores dão o recado na medida da pretensão do autor em ampliar para muitos sua conversa íntima.    


Crítica/ Solidão, a Comédia

Maurício Machado: humor sobre o patético da solidão

Quando Vicente Pereira escreveu Enfim, só (Solidão, a Comédia), este era o título há 30 anos, o ambiente teatral era outro e o besteirol, como gênero, era mais do que um estilo. Era um modismo. Esse exemplar de produção na linha do humor do fait divers e do comportamento de então, se desvia um tanto dos autores da época ao explorar um tema mais pesado, se for possível usar a palavra para associá-la ao besteirol. A solidão, em suas manifestações quase sempre patéticas, são exploradas por Vicente em textos curtos que recorrem às mesmas obsessões que tanto agradavam os cultores deste tipo de humor, mas com algumas modificações. Sem pretender a seriedade, o que seria considerado sacrilégio para os fundadores do besteirol, Pereira experimenta transpor o seu alcance com uma certa crueldade que imprime aos diálogos ácidos e a escolha de situações limite, como a morte e a solidão. Nem de longe ultrapassa os limites impostos, arbitraria e espontaneamente, pelos autores filiados ao estilo, já que os esquetes reunidos nesta comédia da solidão, apenas ganharam uma carga que os tornam pretensiosos e de tônus cênico fraco. Entre Paris em Chamas, Vamos falar francamente e Sétima Arte, o que ainda resiste um pouco mais é Fogueira das Vaidades. Na reedição tardia do besteirol, em cartaz no Teatro Cândido Mendes, templo do gênero no seu período áureo, o diretor Claudio Tovar tenta reviver, com produção com algum cuidado, o humor que  perdeu, irremediavelmente, o prazo de validade. O seu cenário sugestivo pela simplicidade e os figurinos que procuram envolver a cena com alguma caricatura, emolduram esse registro passadista de dramaturgia que exerceu papel em seu tempo (distendeu os anos da censura e replicou o espírito de uma geração mais solar e expansiva), mas agora é passado. Mauricio Machado, em que pese seu tour-de-force de interpretar vários tipos e procurar alterná-los com atuações em registros diferentes, acaba por demonstrar com esse esforço o quanto os textos e o gênero estão ultrapassados.    
 


Cenas Curtas

 O centenário de nascimento de Tennessee Williams, que se comemora a 25 de março, já tem registro de montagens em sua homenagem em latitudes diferentes. Em Nova Iorque estreou The Milkk Train Doesn’t  Stop Here Anymore, considerada uma das suas obras menos satisfatórias, tanto pela critica quanto pelo público. Mas é justamente esta peça escrita por Williams em 1963 que também ganhou montagem em Portugal, sob o titulo de O Comboio da Madrugada, com Eunice Muñoz. Não estão previstas, por enquanto montagens por aqui do autor de O Bonde Chamado Desejo, mas algumas publicações podem reviver a produção desta referência do realismo-psicológico. A Companhia das Letras tem em catálogo 49 Contos de Tennessee Williams, uma via não estritamente teatral de conhecê-lo como contista e cronista. Em Tennessee Williams – Memórias (Nova Fronteira), a sua conturbada vida interior é desvendada por ele mesmo em franco depoimento. 

O Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, companhia paulista de teatro-hip hop faz temporada carioca na Arena do Espaço Sesc, a partir do dia 17 de março, com Bartolomeu que Será que Nele Deu?, direção de Georgette Fadel. Inspirado em Barterbley do americano Herman Melville, a história do escriturário que se sente impotente diante da urgência que a vida o lança, é transformada pelo grupo em canto. Seis atrizes – Ana Roxo, Cláudia Schapira, Daniela Evelise, Georgette Fadel, Luaa Gabanini e Roberta Estrela d’Álva – interpretam papéis masculinos, adotando o hip hop, não apenas como uma forma de ritmo, mas como a sua apropriação como linguagem narrativa. A concepção geral, a dramaturgia e o figurino são de Cláudia Schapira, criadora do grupo.


O documentário Pina, de Wim Wenders, exibido no recém terminado Festival de Cinema de Berlim (Berninale) poderá ser assistido pela público brasileiro ainda este ano. A Paris Filme adquiriu os direitos de exibição desta homenagem à Pina Bausch, uma artista que demarcou novas áreas de exploração do movimento e estendeu os códigos da  dança até aos limites do teatro. O filme, com o subtítulo de Dance, Dance or We Are Lost, é originalmente feito em 3D, o primeiro de arte em tal processo.

Até do dia 30 de março estão abertas as inscrições para a 18ª edição do Porto Alegre em Cena, que acontece de 6 a 26 de setembro. Produções de teatro, música, dança de todo o Brasil podem se candidatar à  mostra, enviando clipagem, sinopse , ficha técnica, fotos e dvd na íntegra e sem cortes para Porto Alegre em Cena, Travessa Paraíso, 71, Bairro Santa Teresa, Cep: 90850-190, Porto Alegre/RS – Brasil.


O prazo das inscrições para o concurso nacional de dramaturgia do Centro Cultural Banco do Brasil Seleção Brasil em Cena se encerra no dia 4 de março. Podem participar autores de todo o país com textos inéditos. O regulamento completo e a ficha de inscrição estão disponíveis em www.bb.com.br/cultura. As 12 peças finalistas terão leituras dramatizadas, com direção de Gilberto Gawronski e Paulo de Moraes, e a vencedora será escolhida por voto popular e ganhará, além de prêmio em dinheiro,  montagem em um dos teatros do CCBB ainda este ano.


O que há (de melhor) para ver

R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos.Teatro Gláucio Gill
   
In on It -  Este exercício de decomposição narrativa é uma gingana de descobertas, na qual a trama se transforma no sujeito oculto de uma investigação amargamente lúdica. Frio e distante na aparente racionalidade,  quente e pulsante no substrato da trama, a montagem de Enrique Diaz traduz esses contrastes com segurança. Fernando Eiras e Emílio de Mello mergulham nesta aventura narrativa com interpretações sensíveis. Teatro do Planetário.

Os anos 60 revividos nos 2000
 Hair –A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermot, mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Palco Nostálgico

Penúltimo espetáculo de Bob Wilson no Brasil

Isabelle Huppert emerge da plasticidade de Bob Wilson

O encerramento da 16ª edição do Porto Alegre em Cena, que neste ano de 2009 teve refinado sotaque francês, foi com a montagem de Quartett, de Heiner Müller, direção do americano Bob Wilson e produção do Odéon-Théâtre de L'Europe. Em mais uma volta ao Brasil, Bob Wilson não provoca o mesmo impacto dos anos 1970, quando A vida e a época de Dave Clark apresentava à platéia brasileira sua dramaturgia cênica, em que imagem, tempo e som se combinavam em “quadros vivos” de poética ascética. O impacto era provocado pela frieza onírica que congela em movimentos sincronizados, que parecem nascidos de visão autista ou de ações mecânicas, e pelo rompimento da equação tempo e espaço. Como rejeita qualquer conceituação psicológica ou emoção dramatizada que comprometa a abstração da cena, Wilson já propunha neste espetáculo que se estendia por 12 horas (o público podia sair e voltar ao teatro, sem interferência em sua fruição), a alquimia de elementos como plasticidade, ruídos e antidrama. Em Quartett, Bob Wilson mudou para permanecer o mesmo. Tudo que o caracteriza como encenador está mantido com maior depuramento de meios, sofisticada iluminação que torna a cena ainda mais cirurgicamente contrastada, palavras decompostas por ritmo repetitivo e entorpecedor, e sonoridade que retira atrito da queda de objetos ou de caretas dos atores. A apropriação do texto de Müller se faz pela sua interpretação formal, pelo que as palavras insinuam, e não por aquilo que significam. Ainda que não as reduza inteiramente a cores (pinceladas), sonoridades (traços), e movimentos (telas), as palavras são o pretexto para desenhar quadro cênico que depura o enquadramento teatral de Wilson. Não é sem razão que uma pintura (Le concert champêtre, de Frans Wouters, do século17) forma a cortina no proscênio e, simbolicamente, representa o universo das relações perigosas do casal de aristocratas libertinos. É a partir desta plasticidade que a montagem estabelece interseções visuais e sonoras, condicionando o corrosivo confronto de impulsos animais com a abjuração de limites ao perverso. Neste imponderável cavalete em que Bob Wilson deposita seus quadros fluídos, exibição de imagens inatingíveis, o texto de Heiner Müller encontra a sua realidade na evocação das formas, como se a virulência e o terrorismo que o asfixiam, fossem liberados por ritualização estética. Será que o texto fica menor, ou maior? Tão somente é triturado pela máquina teatral de Bob Wilson, oferecendo à platéia a possibilidade de compartilhar acervo de imagens, mais próximas da beleza rascante do diretor que do niilismo ideológico do autor. Ao espectador, resta o mergulho nestes quadros vivos, como em exposição de obras de arte pelo modo com a imagem desencadeia os sentidos da sua apreensão. O final de Quartett é arrebatador como construção de visualidade “dramática”. Da maneira como a atriz repete,
infinitamente, uma frase, e como se desloca no palco, secundada pelo cenário, que se compõe em paralelo a seus movimentos, Quartett consagra a linguagem de um fundadores do teatro do século passado, e provoca emoção genuína para além de seus códigos. Os atores numa encenação conotada com o formalismo e o excessivo rigor estético, podem parecer meros fantoches de manipulador autoritário ou coreógrafo fetichista. Em Quartett, Isabelle Huppert e Ariel Garcia Valdès, Merteuil e Valmont, distorcem suas vozes, contorcem-se como animais, emitem barulhos misteriosos, estão vestidos com roupas de cores contrastantes, desenham-se como pincéis de uma aquarela. E apesar destes condicionantes, interpretam, e muito bem. Especialmente, Isabelle Huppert, que, com a disciplina de quem aceita proposta tão diversa das demais de sua carreira, é capaz de demonstrar no palco que não se transforma numa marionete e segue, mimeticamente, para onde conduzem os fios de quem os manipula. Quem diz que num “espetáculo de encenador” não há lugar para destaque para atores, Isabelle Huppert o desmente categoricamente.



Exposição/ Vídeo Portraits de Robert Wilson

Princesa Caroline de Mônaco


A mostra dos retratos em vídeo do diretor teatral, cenógrafo, artista multimídia Bob Wilson, instalada no Instituto Moreira Salles, na Gávea, até maio, propõe uma representação plástica dos “deuses do nosso tempo”- de atores com Brad Pitt e Jeanne Moreau, escritores como Gao Xingjian, celebridades como a Princesa Caroline de Mônaco e a vedete do burlesco Dita Von Teese – numa reescrita visual de naturezas-mortas que adquirem vida por movimentos sutis. Personagens que assumem o uso da sua própria imagem no papel de modelos de instalação teatral em que atuam como fetiches de universo plástico-cênico de um mago manipulador. Com música de Beethoven, Michael Galasso e Ethel Merman, entre outras sonoridades contrastantes, e textos de T.S. Eliot e Heiner Müller, na voz de Wilson, percorrem-se quadros dissimuladamente estáticos, que são impulsionados por sutilezas de abrir e fechar de olhos, da leve oscilação de um balançar ou de borboletas enganosamente pousadas.
O escritor chinês Gao, exilado na França, com o rosto recoberto de maquiagem branca, como um ator do Teatro Nô ou intérprete do Kabuki, tem escrita sobre essa máscara imóvel a frase: La solitute est une condition nécessaire de la liberté. Jeanne Moreau, investida de Mary Stuart, é figura estática, como numa tela a óleo. Apenas seu rosto marcado pelo tempo, reproduz a inexorabilidade de quem “cedeu a seu destino”. E Wilson até se permite a brincadeiras, como de fazer chover sobre um Brad Pitt de cuecas, apontando um revólver sob a ameaça de que “não é possível escapar do meu amor, nem por um segundo.” O contraste entre a sala, com mobiliário e santos barrocos é a ambientação para Teese e seu visual burlesco.
Recomenda-se assistir ao vídeo de 20 minutos, em que a produção da mostra pode, em parte, ser decodificada.

Jeanne Moreau
Dita Von Teese
Brad Pitt


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

7ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ Shakesparque

André Mattos (o domador) e Tereza Seiblitz (a megera) em versão estival

Essa coletânea de cenas de textos de Shakespeare sofre de síndrome do revival, já que remete à montagem dos anos 80 do diretor Paulo Reis para A Tempestade, do mesmo Shakespeare e no mesmo lugar (o Parque Laje), além de se inspirar no estival Shakespeare in the Park novaiorquino. Talvez fosse mais proveitoso se livrar do passado e do caráter de evento, para encontrar autonomia expressiva e melhor acabamento. Shakesparque também se reveste de algum didatismo, como se quisesse popularizar os textos seiscentistas para platéia mais ampla. A razão pela qual a entrada é gratuita pode se explicar por preocupação com a conquista de novo público. Mas apesar do sempre envolvente cenário do casarão do Jardim Botânico, da tradução impecável de Barbara Heliodora e da tentativa de criar roteiro explicativo, balanceado por intermezzos com informações sobre as peças e por música original tocada ao vivo, a montagem é um tanto desequilibrada. No total são apresentados fragmentos de sete cenas: Ricardo III, com Lorena da Silva e Jandir Ferrari, A Megera Domada, com Tereza Seiblitz e André Mattos, Romeu e Julieta, com Cristina Flores e Rodrigo Nogueira, Sonho de Uma Noite de Verão com Cláudia Alencar e Antônio Pedro, Hamlet, com Samara Felipe e Alexandre Barillari, Macbeth, com Ângela Rebello e Otto Jr, e A Tempestade, com Amir Haddad. Saltimbancos introduzem cada uma delas, recorrendo a falas que tentam ser coloquial, mas se assemelham a lição engraçadinha. E a música abafa o que dizem os sonetos transformados em letra. Quanto às cenas, todas parecem indistintas, não importa a que peça se refiram. Nada adensadas ou que se perceba algum esforço de explorar as suas possibilidades como tragédia ou comédia. Shakesparque não passa de seleção de trechos que o elenco, com pouca autoridade interpretativa e demonstrando falta de orientação, encena como frágil leitura dramática.



Crítica/ Labirinto

Relações múltiplas de Qorpo Santo
Moacir Chaves tem tendência a buscar textos sem tanto permeabilidade à cena, desafiando-se a encontrar a formalização das dificuldade como a própria linguagem da montagem. Em Labirinto, que ocupa a Arena do Espaço Sesc, Moacir investe na dramaturgia de Qorpo Santo, pseudônimo de autor gaúcho do século 19 de petulância verbal e existencial, pelo menos se considerarmos a época e a sociedade nas quais viveu e as características de sua obra. As peças curtas – neste espetáculo estão reunidas Hoje sou um, e amanhã sou outro, As Relações Naturais, A Separação de Dois Esposos – têm um travo de critica de costumes, em que temas como a maleabilidade de caráter dos políticos, as hipocrisias sobre a sexualidade e a exposição de homossexualismo são tratados em diálogos rebuscados, bem ao estilo do tempo em que foram escritos. A pendência do diretor para autores ou documentos que pressinta possam ser dramatizáveis, o atraem seguidamente. No caso de Qorpo Santo, as peças têm estrutura que se não as fazem interessantes por sua invenção, ao menos atraem por sua curiosidade. E pouco mais do que isto.
Moacir Chaves desarticulou a hierarquia de personagens, distribuindo os atores pelo espaço, estabelecendo frontalidade e planos alternados, criando uma verticalidade para melhor introduzir a circulação dos papéis, a mobilidade de sexos e a quebra do verismo dramático. Emerge deste mexidão um quadro cenográfico que o elenco ocupa com dinamismo do jogo das identidades. A iluminação de Aurélio de Simoni e a concepção visual de Fernando Mello da Costa são fundamentais para o diretor redesenhar cenicamente os textos, desviando-se da verbosidade, retirando, ainda que parcialmente, a indisfarçável origem literária. Com este expediente, Moacir consegue manter a encenação na vibração do humor ácido, apesar de algumas quedas de ritmo, impossíveis de serem sanadas pelo peso dos diálogos, mesmo considerando sua irreverência crítica. O elenco de 13 atores está azeitado ao estilo de Chaves, dosando o tempero carregado de Qorpo Santo com a rotação acelerada de Moacir Chaves.



Crítica/ Banal

Divulgando banalidades para quem quiser ouvir

Banal, texto e direção de Alessandra Colasanti em cartaz no Mezzanino do Espaço Sesc, reflete como em outras montagens atualmente, a necessidade de falar com voz própria, dizer de si, biografar-se no palco. E para tanto, utilizar meios que incorporem elementos múltiplos como projeções, música e interatividade. A autora deste solo dramatúrgico que se quer recital, percorre o cotidiano de situações individuais que tentam alcançar a amplitude do globalizado. O impulso é o de se contar, demonstrar como o externo atua, em escala doméstica, sobre a interioridade. Como o dia-a-dia é invadido pelas vias perturbadoras das media. A cenografia de Natália Lana é o que primeiro integra essa gama de informações, com a caixa cênica branca, os espectadores sentados em torno de aparelhos reprodutores de imagens, compondo cenário frio, complementado por fileira de microfones. Neste estúdio de filmagem, de fotografia, de gravação, simulacro de instalação de artes plásticas e de palco, se estabelece a extensão de ruas de cidades tão diferentes como Rio, Nova Iorque, Curitiba e Moscou. A platéia envolvida por tantas projeções, assiste igualmente a imagens da lida de empregadas na cozinha e da autora comendo sanduíche diante do computador enquanto escreve. Cinco atores – Carol Portes, Fabrício Belsoff, Fernanda Félix, João Velho e Thiare Maia – como jograis, recitam depoimentos pessoais, que se diluem em desordenadas referências ao que está à volta. Peças vivas de um museu de violências difusas, suavizadas pelas banalidades de cada um sobre suas vidinhas, são figuras soltas de um stand-up-cabeça. Esses flagrantes de privacidades lançados na vala comum do exibicionismo caótico da teia teatral atingem momentos que seguram a platéia, em contrapartida a outros em que os estímulos, visuais, sonoros e verbais, são apenas dispersivos. Talvez para significar o quanto é banal tudo aquilo que nos é dado viver hoje e o que se passa em torno de nós. Se esta foi a intenção de Alessandra Colasanti, Banal cumpre seu propósito.


Crítica/ Na Lona
Fardo pesado de pantomima circense
A proposta da diretora Fabiana de Mello e Souza é daquelas que se pode dizer que “de boas intenções….”. Pantomima de três palhaças de um circo em fim de linha replica números desgastados pelo tempo e falidos pela incompetência em executá-los. Levantando a lona para onde levam sua decadência e o escorraçamento dos que não as desejam por perto, aportam em uma cidade qualquer para apresentar aquilo que ninguém quer ver. É deste fio narrativo, com veleidades poéticas, que a diretora constrói a sua linguagem cênica, eliminando a palavra, substituindo-a por sonoridades guturais e gesticulação que mimetiza. O circo não serve somente como ambientação, mas de tipificação do gênero. Além desta deglutição de imagem, pouco há de digestivo na adoção do espírito circense. Se o modelo é tradicional, a sua duplicação reforça e enfatiza o convencionalismo que rege a cena. O desenvolvimento dos quadros, bastante previsível, e a atuação clownesca tropeçam nos movimentos exaustivamente codificados. Cris Muñoz, Fabiana Poppius e Flávia Lopes demonstram maior empenho de exibir do encenar um estilo. O que se vê na Sala Multiuso do Espaço Sesc é meramente este esforço de reproduzir.


Cenas Curtas

A bela mansão do alto da Gávea do Instituto Moreira Salles abriga a exposição Vídeo Portraits de Robert Wilson, que mostra 14 videoretratos produzidos sobre imagens do diretor teatral e artista plástico americano de inconfundível identidade imagética. Os retratos de Bob Wilson reproduzem a atriz Winona Ryder, como a personagem de Dias Felizes, de Samuel Beckett, a francesa Jeanne Moreau, e os atores Johnny Depp e Brad Pitt, entre outros. Projetados em telas de até 1,5 m de altura, e com cenografia e caracterização sofisticadas, ao estilo Wilson, as imagens são captados em movimentos mínimos, quase imperceptíveis. Vale a visita, não só pela exposição, como pela arquitetura do prédio do Instituto e o parque no entorno.

No final deste mês, dia 28, se encerra a temporada da Cia Sutil de Teatro no Espaço Tom Jobim, que a partir do dia 18 de março será ocupado por A Escola do Escândalo, do irlandês Richard Brinsley Sheridan. Dramaturgo do século 18, Sheridan é um mordaz crítico da sociedade da sua época, que nesta montagem tem adaptação e tradução de Miguel Falabella, que também assina a direção. Participam do elenco, Ney Latorraca, Maria Padilha, Guida Vianna, Jacqueline Laurence, Rita Elmor e Bruno Garcia

Na agenda da Caixa Cultural para março está confirmada a apresentação de Tadashi Endo, bailarino de butoh, e diretor de centro alemão especializado nesta dança-teatro oriental. Endo apresenta a performance Ikiru, anunciada como “um réquiem para Pina Bausch”. O artista japonês, sem se apresentar no Rio há 4 anos, tem ligação com o Brasil desde 2002, quando estabeleceu contato com o grupo Lume de Campinas, no qual dirigiu Shi-Zen e 7 Cuias e Sopro. A força criativa de Pina Bausch, decisiva e influente em várias vertentes da arte contemporânea, recebe também homenagem, do conterrâneo diretor Wim Wenders em documentário, apresentado esta semana no Festival de Cinema de Berlim. O Festival de Filmes do Rio poderia trazer para sua edição 2011, em setembro, esta produção de Wenders. O cinema, o teatro e a dança agradecem.

A temporada de ópera do Teatro Municipal foi divulgada, e estão previstas quatro produções ao longo do ano. A primeira delas, Lucia de Lammermoor, de Donizetti, está agendada para maio, com direção de Alberto Renault, prenunciando muita ousadia. Em julho, Nabucco, de Verdi terá a direção cênica de André Heller. Carla Camurati será a encenadora de Tosca, de Puccini, em setembro. E no final do ano, Felipe Hirsch assina o desafio de montar O Castelo de Barba Azul, de Bela Bartók. Hirsch é responsável ainda por Rigoletto, de Verdi, que deve estrear no Teatro Municipal de São Paulo, em setembro.


O que há (de melhor) para ver

R&J de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos.Teatro Gláucio Gill

A Lua vem da Ásia - A ficção de Campos Carvalho recria universo atropelado por inconclusões e por visão um tanto niilista da existência. O diretor Moacir Chaves empresta ao monólogo caráter múltiplo, conduzindo os espectadores pela jornada de alguém percorrendo dúvidas. Com o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, Chico Diaz transmite um certo “sentimento do mundo”, numa atuação límpida. Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil.
Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de casais diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e curiosa cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.

Histórias do Amor Líquido – Em três histórias que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José adota ritmo dinâmico e nervoso para a montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira.

In on It - Este exercício de decomposição narrativa é uma gingana de descobertas, na qual a trama se transforma no sujeito oculto de uma investigação amargamente lúdica. Frio e distante na aparente racionalidade, quente e pulsante no substrato da trama, a montagem de Enrique Diaz traduz esses contrastes com segurança. Fernando Eiras e Emílio de Mello mergulham nesta aventura narrativa com interpretações sensíveis. Teatro do Planetário.

Leonardo Medeiros: gripe asséptica
Sutil Companhia de Teatro – Três montagens – Não Sobre o Amor, Temporada de Gripe e Tom Pain/Lady Grey _ assinadas por Felipe Hirsch tratam da memória destituída de sentido dramático, numa exposição, aparentemente fria, às vezes com ironia, outras com amarga lucidez, sobre os meandros dos sentimentos. Com cenários de Daniela Thomas, de indiscutível impacto, as encenações contam ainda com atores integrados à racionalidade dos textos, como Mariana Lima, Guilherme Weber e Leonardo Medeiros. Espaço Tom Jobim.

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sábado, 12 de fevereiro de 2011

Palco Nostálgico

Montagem curitibana de Felipe Hirsch

Viajantes no caminho do misticismo
Por um Novo Incêndio Romântico, adaptação de Felipe Hirsch da obra de Terrence McNally, não deixa de provocar relativo interesse pela forma como história quase mística encontrou tradução cênica que incorpora várias referências inspiradoras – de Bob Wilson a Gerald Thomas – e alguma invenção original. A viagem empreendida por duas mulheres de meia idade rumo a uma Índia espiritualizada (pelo menos como idealização), se confunde com a viagem interior que cada uma usa como pretexto para avaliar a convivência de toda uma vida, que ambas desejavam fosse única e especial. A vizinhança da morte, sempre presente nesse mergulho místico-existencial, e a companhia do deus-viajante Ganesh, que peregrina com as duas mulheres pelos destinos terrenos e pelos abismos da alma, tornam Por um Incêndio Romântico uma peça curiosa. A capacidade de criar um jogo entre os designos transcendentes que comandam as ações de um deus humanizado e o drama psicológico das mulheres num viés tradicional, deixa margem a que se explore farpas do humor anglo-saxão. Mas há algum descompasso entre esses planos narrativos, tanto nos aspectos do misticismo quanto dos psicológicos. Desarmam-se assim, os mecanismos expressivos de cada um deles, o que possibilita ao diretor brincar com a dualidade teatral. Felipe Hirsch, apesar da assepsia das fontes encenadoras, é na maioria das vezes, excessivo e derramado, capaz de jogar por terra, pela maneira recorrente como insiste em rechear a montagem de truques e efeitos, aquilo que poderia ser somente uma cena bem construída. Com cenografia que, igualmente lembra a estética Wilson/Thomas, tem-se um espaço neutro dentro do qual cabem o sentimento da memória e o imponderável do misticismo. O desejo de expandir o espetáculo para além de prudente contenção exibicionista, poderia facilitar maior comunicabilidade com a platéia e estabelecer uma verdadeira emoção. Tal como está, sugere mais do que oferece.

Por um Incêndio Romântico foi apresentado no Festival de Curitiba, em março de 1999.


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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

6ª Semana da Temporada 2011

Três montagens de Felipe Hirsch no Espaço Tom Jobim


Crítica/ Não Sobre o Amor

O amor fora do eixo gravitacional

As cartas do escritor russo Victor Shklovsky para a sua amada Elsa Triolet estão reunidas nesta correspondência de amor no exílio. Poeta e teórico literário, Shklovsky escreve de Berlim para Elsa, em Petersburgo, materializando a metáfora do amor sem lugar, da existência expatriada. Apartado de sua terra, "estrangeiro desventurado, definhando em seu zoológico interno", encontra nas imagens de Chagall no teto da igrejinha de aldeia, ou no apelo telúrico do Quixote, de Cervantes, a dimensão da inexistência dos exílios. O ato de escrever confirma que "sem a palavra, nunca se chegará ao fundo de nada".
Felipe Hirsch é cirúrgico na construção de espetáculo destituído de firulas e carregado de rigor estético. De formalismo detalhista, a encenação traduz o texto com o igual distanciamento contido nas cartas, expressando a melancolia das lembranças, das quais emergem o vácuo das emoções em que o personagem flutua, sem o eixo que o localize na geografia de si mesmo. O cenário de Daniela Thomas é decisivo na transcrição deste estado de suspensão, ao subverter os planos espaciais, criando uma área de evasão, na qual as projeções de imagens estão plenamente integradas à mudança do eixo gravitacional dos personagens. A iluminação de Beto Bruel, os figurinos de Veronica Julian, e a trilha sonora só acrescentam mais rigor a espetáculo exemplar.
O casal de atores segue interpretações destituídas de dramaticidade que a carga de sentimentos eventualmente poderia sugerir. Simone Spoladore projeta a mulher que não se deixa amar. Leonardo Medeiros circula por realidade e memória com a sutileza manipulada pela razão do poeta.



Crítica/ Temporada de Gripe

À procura de lugar para a memória

O escuro é a primeira imagem proposta por Will Eno, autor de Temporada de Gripe, e que introduz a voz do ator, verificando se é real a presença do público na sala. É como se quisesse relembrar que o teatro ainda precisa de atores e de platéia, mas não necessariamente de tramas. O que é imprescindível está num lugar volátil, aquele que fica no espaço da emoção, no vácuo entre a área dos sentimentos que podem ser atiçados no prólogo e ameaçados de irritação no epílogo. O entrecho se apresenta entre esses pólos, objeto a ser quebrado na sua linearidade temporal, mas reconstituído com o cinismo de quem recorre ao realismo para prescindir de sua veracidade. O humor irônico, recurso usado à exaustão, em especial com os “personagens” (Prólogo e Epílogo), é o veículo para desfazer a linguagem. O que Eno, aparentemente pretendia ao quebrar com a lógica seqüencial acaba por se frustrar ao cair no formato que não esconde a sua origem dramática. A história com evolução, entrecho e clímax, soterra a “novidade” perseguida. Felipe Hirsch, mais uma vez com a colaboração da cenografia asséptica de Daniela Thomas, mergulha na armadilha do autor ao repetir a explicitação dos seus truques e maneirismos de desarmar expectativas. Menos resolvido como dramaturgia, Temporada de Gripe é um “esquenta” para textos de Will Eno que foram bem mais longe em sua composição ardilosamente desarrumada.



Crítica/ Tom Pain/Lady Grey

Conversa silenciosa sobre o desamparo

Will Eno também nestes dois monólogos parte do diálogo com a platéia, conduzido como uma conversa (e não deixa de ser um papo, no qual voz e escuta ameaçam se confundir), uma interlocução entre perdas e sua memória. Mas para que a conversa caminhe, há que estabelecer um roteiro, que surja uma história. Ao buscar, com o humor amargo que exponha aquilo que nos faz sofrer, igualam-se sentimentos, lembranças da infância e despojos do amor. São esses os motores, que com algum cinismo, impulsionam o movimento da vida. A história de todos.
De início não há luz, tudo é escuro, e ao longo da preleção do homem com dor vai se fazendo a iluminação, até que, de tão intensa, provoque a contração do olhar. No desabafo da mulher cinzenta, a luz vai se apagando à medida em que “mostra e conta” até atingir o desvendamento da fantasia infantil e das vestes da trapaça para iluminar a obscuridade da nudez total. Nos dois monólogos, o masculino e o feminino, o jogo de luzes é proposto como um candeeiro de palavras, acesas pela impossibilidade de atingir os mecanismos da compreensão. Felipe Hirsch, seguindo uma bula corajosamente expositiva, sem maiores indicações sobre possíveis efeitos colaterais anestesiantes, imprime cadência pendular à interpretação do casal de atores. Enquanto Guilherme Weber mostra desamparo cáustico, Mariana Lima, suspende a tensão interior com pausas significantes. Um duo de solistas num recital de teatro silenciosamente arrebatador.

Cenas Curtas

Sua Incelença, Ricardo III, adaptação para o texto de Shakespeare, com direção de Gabriel Villela, produzida no Rio Grande do Norte, abre a 20ª edição do Festival de Teatro de Curitiba, que se estenderá do dia 29 de março a 10 de abril. Com 31 espetáculos na mostra principal, o festival contará com as estréias nacionais da Sutil Companhia de Teatro de Curitiba, que lançará Trilhas Sonoras, e de Denise Stoklos com o monólogo Preferia, Não. De Minas, a diretora Yara de Novaes exibe a sua versão de Tio Vânia, enquanto grupo de Cuiabá revisita Anjo Negro.

Produções cariocas foram generosamente contempladas na programação. Várias delas, atualmente em cartaz na cidade – Adultério, É Com Esse que Eu Vou, Um Coração Fraco, Sonhos Para Vestir, Labirinto e Me Salve, Musical – estarão nos teatros curitibanos em abril. Ainda outras, apresentadas na última temporada - Marlene Dietrich, Comédia Russa, Antes da Coisa Toda Começar e Sete por Dois – completam o quadro, ao lado de montagens paulistas.

O Fringe, mostra paralela do Festival de Teatro de Curitiba, que reúne cerca de 300 espetáculos, este ano tem a participação da Companhia Brasileira de Teatro, a mesma que no ano passado apresentou Vida, sólida encenação baseada na obra de Paulo Leminski. Este ano, a sede da companhia abrigará Oxigênio, a mais recente montagem do diretor Márcio Abreu, além de leituras dramáticas com o grupo Espanca de Belo Horizonte e Clube Noir de São Paulo, e mais de oficinas e encontros com criadores.


O que há (de melhor) para ver

R&J de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem
já com domínio de seus meios interpretativos.Teatro Gláucio Gill

A Lua vem da Ásia - A ficção de Campos Carvalho recria universo atropelado por inconclusões e por visão um tanto niilista da existência. O diretor Moacir Chaves empresta ao monólogo um caráter múltiplo, conduzindo os espectadores pela jornada de alguém percorrendo dúvidas. Com o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, Chico Diaz transmite um certo “sentimento do mundo”, numa atuação límpida. Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil.
Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de casais diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e curiosa cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.

Histórias do Amor Líquido – Em três histórias que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José adota ritmo dinâmico e nervoso para a montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira.

Cara a cara com o sujeito oculto
In on It - Este exercício de decomposição narrativa é uma gingana de descobertas, na qual a trama se transforma no sujeito oculto de uma investigação amargamente lúdica. Frio e distante na aparente racionalidade, quente e pulsante no substrato da trama, a montagem de Enrique Diaz traduz esses contrastes com segurança. Fernando Eiras e Emílio de Mello mergulham nesta aventura narrativa com interpretações sensíveis. Teatro do Planetário.

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domingo, 6 de fevereiro de 2011

5ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ Barba Azul – A Esperança das Mulheres

Tensões desconcertantes entre sexos

A alemã Dea Loher, autora deste texto baseado na fábula homônima do século 17 e que pode ser vista no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, não é desconhecida do público brasileiro. Escreveu A Vida na Praça Rosevelt, há menos de uma década, recorrendo a tipos capturados nesta área da capital paulista, e que os Satyros levaram à cena, em 2005. O teatro de Dea ainda perambulou pela América do Sul, trazendo para Montevidéu sua dramaturgia germanicamente urbana e de tensões narrativas desconcertantes. Em Barba Azul, a apropriação do personagem, atualizado no tempo e redimensionado pelas pulsões femininas, transfere às mulheres a percepção do masculino, mesmo que à custa de sua eliminação pela morte. A viragem que tal visão faz das sucessivas mortes um ato de violência no rastro da perseguição por compreender os próprios desejos. É até certo ponto estranho que Barba Azul, originalmente um assassino sequencial de mulheres, seja visto por Dea como um matador acidental, quase um desastrado criminoso, na pele de vendedor de sapataria. Deste aparente despiste da moralidade de gênero, ressaltam os recursos fabulares que são empregados para que não se conclua ou julgue. É da exibição de mulheres ambicionando o ideal viril ou o fracasso da masculinidade que elas sucumbem. Para além da determinação dúbia das personagens, a narrativa traz ainda a estranheza da construção fracionada em quadros, que transmitem a sensação de olhares parciais de um panorama ampliado. Fábio Ferreira, tanto na direção quanto na cenografia, secciona o plano geral, detalhando os movimentos daquelas que gravitam ao redor suas hesitações. Desenha humor frígido numa ambientação sóbria, uniformizando a dubiedade dos sentimentos em traços horizontais. A montagem não desconserta, como aparentemente deseja, mas provoca relativa indiferença pelo descolorido da tonalidade narrativa. Não há alternâncias, variações, atalhos para a linearidade dramática. A participação do elenco – Marcio Vito, Raquel Iantas, Teresa Hermanny, Marcelle Sampaio, Laura Becker e Mona Vilardo – favorece esse registro único. Todos parecem seguir gestual mecânico e distancia reflexiva do que os personagens efetivamente representam.         


  
Crítica/ ObsCena

Atrizes assistem ao show de seus depoimentos cantados 


A não ser por uma questão de nomenclatura, especula-se como classificar este espetáculo em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto. Show, performance, teatro, musical, experimento de linguagem com o uso de vários elementos? Pode ser um pouco de tudo e nada de muito demarcado. Delineado, talvez. O que se propõe ao espectador é algo próximo a show de música, no qual canções com letras lançam estilhaços da cultura pop em imagens de flagrantes de sexualidade perturbadora e sensações descartáveis, alardeados por batidas de sonoridades condizentes. Quatro atrizes, cantoras, instrumentistas – Bianca Joy Porte, Camila Magalhães, Fernanda Bond e Leandra Leal – um músico – Domenico Lancelotti -, e convidados a cada semana, desfilam depoimentos, não totalmente verdadeiros, nem completamente mentirosos, sobre investidas sexuais na infância e adolescência e outras lembranças formadoras. ObsCena dá sequência, explorando formato diferente às especulações cênicas da diretora Christiane Jathay, que desmonta o real através de depoimentos que são expostos como verdades mentirosas. Em outras montagens, geradas à partir desta estrutura, o jogo surgia com poderosa carga inventiva e desabusada ousadia construtiva. Neste caso, o meio (predominância do show de música) absorve apenas parcialmente o modo (as sugestões dramatizadas dos depoimentos). A manipulação de elementos cenográficos e a busca da junção das atrizes e as personagens (quem é quem? o que dizem e o que cantam é uma só realidade?) ajudam, ou não, a situar o que ObsCena é, ou poderia ser. Os títulos das músicas dizem muito do que se fala no espetáculo. A trilha original, assinada por Domenico Lancelloti e também por Vitor Paiva, deixa claro o roteiro das poucas falas. Decifrando o porquinho, No ouvidinho, O tema do motorista que bolinava, Improvisando na sauna e Sedativo são composições que apóiam o que as garotas vocalizam em cena. E é da música que a montagem partiu e através dela que a diretora intentou conceber e ajustar seus conceitos, mas que manteve autonomia expressiva como show, como se tivesse absorvido o teatro como apara de propósitos.        



Cenas Curtas

 Barbara Heliodora, crítica, ensaísta e autoridade internacional na obra de William Shakespeare, participa das Rodas de Leitura. Barbara conversará com a platéia sobre Shakespeare bem humorado, utilizando-se de trechos de peças e poemas do Bardo e de seu próprio humor inteligente, uma das características da tradutora de 15 peças do dramaturgo, além de autora de teses e livros sobre o dramaturgo de Comédia dos Erros. Segundo a palestrante, que será ouvida no dia 14, às 18h, na Fundação Biblioteca Nacional, “Shakespeare prezava demais a alegria dos homens para ter preconceitos contra a comédia como instrumento de expressão de pensamentos que, em si, podem ser sérios”.

Em nova fase, com a dinamização da sua linha editorial e edições temáticas, a Revista da Sbat lança o número 522. Criada no mesmo ano da fundação da Sociedade Brasileira de Autores (1917) traz como tema central dos meses de novembro/dezembro, a relação teatro/cinema. Aderbal Freire-Filho estabelece o cinema falado como ponto de inflexão da história do teatro, enquanto Domingos Oliveira faz comparações entre as duas artes. Mantendo a tradição de quase um século, a Revista da Sbat continua publicando a cada edição, um texto teatral na íntegra. Desta vez, e coerente com o tema central, pode ser lida Atlântida, de Ana Velloso e Vera Novello, musical que trata do famoso estúdio de cinema dos anos 50.

A atriz e artista plástica Analu Prestes, atualmente no elenco de Estilhaços, no Museu do Universo, participa da próxima Quadrienal de Praga, em junho. Escolhida como uma das representantes brasileiras da mostra de design cênico (designação atualizada para cenografia), Analu levará à capital tcheca o cenário-instalação que criou para Sonhos de Vestir, monólogo dirigido por Vera Holtz da autora e atriz Sara Antunes, que está em temporada na Casa de Cultura Laura Alvim. A obra de Analu estabelece visualmente um espaço de devaneios, com detalhes bordados com minúcia de artesã, como se fosse um manto-véu, com costuras que fixam em linhas coloridas, palavras soltas, que reproduzem no tecido vozes interiores.  

Uma auspiciosa novidade. O diretor Moacir Chaves anuncia a criação de companhia estável, à qual deu o nome de Alfândega 88. Como primeira produção, a Alfândega estréia dia 10 no Espaço Sesc, Labirinto, reunião de três textos – As Relações Naturais, Hoje Sou Um, Amanhã Outro, e A Separação de Dois Esposos -  de Qorpo Santo, pseudônimo do autor gaúcho do século 19, José Joaquim de Campos Leão. No elenco, nomes que formam a companhia recém criada: Katiuscia Canoro, Elisa Pinheiro, Diogo Molina, Peter Boos, Adriana Seiffert, Andy gercker, Danielle Martins de Farias, Denise Pimenta, Fernando Lopes Lima, Gabriel Delfino, Gabriel Gorosito, Mariana Guimarães, Pâmela Côto.

Depois de 20 anos, quando foi montado com Renata Sorrah, o monólogo Shirley Valentine volta à cena, a partir de 16 de março no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, agora com Beth Faria, dirigida por Guilherme Leme. O texto de Willy Russel, que estreou em 1986 no circuito Estados Unidos/Inglaterra e foi transposto três anos depois para o cinema, trata de uma mulher de meia idade que exibe suas frustrações por casamento falido e que viagem à Grécia determina novas possibilidades de vida. Na ficha técnica desta versão, Aurora dos Campos assina a cenografia, Wagner Freire a iluminação, e Tatiana Brescia o figurino.



O que há (de melhor) para ver

Shakespeare com boa nota no colégio

R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para um grupo de alunos de um colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos.Teatro Gláucio Gill

A Lua vem da Ásia -  A ficção de Campos Carvalho é um modo de recriar universo atropelado por inconclusões e por visão um tanto niilista da existência. O diretor Moacir Chaves empresta ao monólogo um caráter múltiplo, conduzindo os espectadores pela jornada de alguém percorrendo dúvidas. Com o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, Chico Diaz transmite com ironia e sensibilidade o “sentimento do mundo” construído por Campos de Carvalho, numa atuação límpida e inteligente. Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil.
  
Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de um casal diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e inventiva cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.

Histórias do Amor Líquido – Em três narrativas que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José imprime ritmo dinâmico e nervoso à montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira.
                                                                                                                                                                                       macksenr@gmail.com
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