segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Palco Nostálgico

Penúltimo espetáculo de Bob Wilson no Brasil

Isabelle Huppert emerge da plasticidade de Bob Wilson

O encerramento da 16ª edição do Porto Alegre em Cena, que neste ano de 2009 teve refinado sotaque francês, foi com a montagem de Quartett, de Heiner Müller, direção do americano Bob Wilson e produção do Odéon-Théâtre de L'Europe. Em mais uma volta ao Brasil, Bob Wilson não provoca o mesmo impacto dos anos 1970, quando A vida e a época de Dave Clark apresentava à platéia brasileira sua dramaturgia cênica, em que imagem, tempo e som se combinavam em “quadros vivos” de poética ascética. O impacto era provocado pela frieza onírica que congela em movimentos sincronizados, que parecem nascidos de visão autista ou de ações mecânicas, e pelo rompimento da equação tempo e espaço. Como rejeita qualquer conceituação psicológica ou emoção dramatizada que comprometa a abstração da cena, Wilson já propunha neste espetáculo que se estendia por 12 horas (o público podia sair e voltar ao teatro, sem interferência em sua fruição), a alquimia de elementos como plasticidade, ruídos e antidrama. Em Quartett, Bob Wilson mudou para permanecer o mesmo. Tudo que o caracteriza como encenador está mantido com maior depuramento de meios, sofisticada iluminação que torna a cena ainda mais cirurgicamente contrastada, palavras decompostas por ritmo repetitivo e entorpecedor, e sonoridade que retira atrito da queda de objetos ou de caretas dos atores. A apropriação do texto de Müller se faz pela sua interpretação formal, pelo que as palavras insinuam, e não por aquilo que significam. Ainda que não as reduza inteiramente a cores (pinceladas), sonoridades (traços), e movimentos (telas), as palavras são o pretexto para desenhar quadro cênico que depura o enquadramento teatral de Wilson. Não é sem razão que uma pintura (Le concert champêtre, de Frans Wouters, do século17) forma a cortina no proscênio e, simbolicamente, representa o universo das relações perigosas do casal de aristocratas libertinos. É a partir desta plasticidade que a montagem estabelece interseções visuais e sonoras, condicionando o corrosivo confronto de impulsos animais com a abjuração de limites ao perverso. Neste imponderável cavalete em que Bob Wilson deposita seus quadros fluídos, exibição de imagens inatingíveis, o texto de Heiner Müller encontra a sua realidade na evocação das formas, como se a virulência e o terrorismo que o asfixiam, fossem liberados por ritualização estética. Será que o texto fica menor, ou maior? Tão somente é triturado pela máquina teatral de Bob Wilson, oferecendo à platéia a possibilidade de compartilhar acervo de imagens, mais próximas da beleza rascante do diretor que do niilismo ideológico do autor. Ao espectador, resta o mergulho nestes quadros vivos, como em exposição de obras de arte pelo modo com a imagem desencadeia os sentidos da sua apreensão. O final de Quartett é arrebatador como construção de visualidade “dramática”. Da maneira como a atriz repete,
infinitamente, uma frase, e como se desloca no palco, secundada pelo cenário, que se compõe em paralelo a seus movimentos, Quartett consagra a linguagem de um fundadores do teatro do século passado, e provoca emoção genuína para além de seus códigos. Os atores numa encenação conotada com o formalismo e o excessivo rigor estético, podem parecer meros fantoches de manipulador autoritário ou coreógrafo fetichista. Em Quartett, Isabelle Huppert e Ariel Garcia Valdès, Merteuil e Valmont, distorcem suas vozes, contorcem-se como animais, emitem barulhos misteriosos, estão vestidos com roupas de cores contrastantes, desenham-se como pincéis de uma aquarela. E apesar destes condicionantes, interpretam, e muito bem. Especialmente, Isabelle Huppert, que, com a disciplina de quem aceita proposta tão diversa das demais de sua carreira, é capaz de demonstrar no palco que não se transforma numa marionete e segue, mimeticamente, para onde conduzem os fios de quem os manipula. Quem diz que num “espetáculo de encenador” não há lugar para destaque para atores, Isabelle Huppert o desmente categoricamente.



Exposição/ Vídeo Portraits de Robert Wilson

Princesa Caroline de Mônaco


A mostra dos retratos em vídeo do diretor teatral, cenógrafo, artista multimídia Bob Wilson, instalada no Instituto Moreira Salles, na Gávea, até maio, propõe uma representação plástica dos “deuses do nosso tempo”- de atores com Brad Pitt e Jeanne Moreau, escritores como Gao Xingjian, celebridades como a Princesa Caroline de Mônaco e a vedete do burlesco Dita Von Teese – numa reescrita visual de naturezas-mortas que adquirem vida por movimentos sutis. Personagens que assumem o uso da sua própria imagem no papel de modelos de instalação teatral em que atuam como fetiches de universo plástico-cênico de um mago manipulador. Com música de Beethoven, Michael Galasso e Ethel Merman, entre outras sonoridades contrastantes, e textos de T.S. Eliot e Heiner Müller, na voz de Wilson, percorrem-se quadros dissimuladamente estáticos, que são impulsionados por sutilezas de abrir e fechar de olhos, da leve oscilação de um balançar ou de borboletas enganosamente pousadas.
O escritor chinês Gao, exilado na França, com o rosto recoberto de maquiagem branca, como um ator do Teatro Nô ou intérprete do Kabuki, tem escrita sobre essa máscara imóvel a frase: La solitute est une condition nécessaire de la liberté. Jeanne Moreau, investida de Mary Stuart, é figura estática, como numa tela a óleo. Apenas seu rosto marcado pelo tempo, reproduz a inexorabilidade de quem “cedeu a seu destino”. E Wilson até se permite a brincadeiras, como de fazer chover sobre um Brad Pitt de cuecas, apontando um revólver sob a ameaça de que “não é possível escapar do meu amor, nem por um segundo.” O contraste entre a sala, com mobiliário e santos barrocos é a ambientação para Teese e seu visual burlesco.
Recomenda-se assistir ao vídeo de 20 minutos, em que a produção da mostra pode, em parte, ser decodificada.

Jeanne Moreau
Dita Von Teese
Brad Pitt