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“Ao Vivo [Dentro da Cabeça de Alguém}” |
Há 33 anos, o Festival de Curitiba começava a se desenhar como mostra de contornos promissores, tanto como estrutura financeira quanto artística. Se em 1992, tateava solidificar a melhor forma de construir arcabouço para torná-lo possível e duradouro, procurando referendar montagens de Rio-São Paulo, em 2025 se distancia em anos, mas não esquecido dos tempos pioneiros. O que o fundamentava na formação (patrocínios e logística), e o que o mantém até agora (sedimentação cultural), caminham em paralelo com as devidas e inevitáveis adaptações que impõem a política, sociedade e o teatro nacionais. A longevidade do formato, continua na mostra Lucia Camargo (curadora por três décadas) com o mesmo número de espetáculos (pouco mais de vinte). Na franja paralela do Fringe, são mais de 200 coletivos que em 14 dias se exibem pela cidade. O que parece intocável no eixo do festival (imune às mudanças na curadoria) é a linha do tempo mantida como espelho-retrato-tendência da cena brasileira. Antes, Rio e São Paulo dominavam a programação com apontamentos vindos do exterior (o canadense Robert Lepage, e o francês François Tanguy, entre argentinos, uruguaios e outras eventuais nacionalidades), mirando o que se produzia no momento. Os anos 1990 registram a consolidação de nomes (Gerald Thomas, Gabriel Villela, Moacyr Goes, Antonio Araujo) que então emergiam. Nos anos 2000/2010, vagou com passos hesitantes por trilhas de panorama conflitado. Nos últimos cinco anos, com o interregno da pandemia de início, posições curatoriais traçam equiííbrio delicado entre montagens de maior apelo popular (com atores de televisão à frente dos elencos), e conceito de teatralidade ativista (“O Futuro está às nossas costa” é o mote dessa edição). As duas vertentes convergem para convivência pacífica, integrando-se com atratividade comum a variada plateia. A evidencia está na quase totalidade dos ingressos esgotados, assim que foram abertas as bilheterias, um mês e meio antes do início das vendas. O título que conceitua a mostra principal, insinua um futuro que recebe informes do presente, e a plateia curitibana, tida como conservadora, encorajou-se em apostar no que pode surgir adiante. Oscilando entre esses dois polos, o Festival de Curitiba resiste às mudanças entrevistas em período tão indefinido das artes cênicas. Compõe sua face atual por pulsações provocativas e repetições arrítmicas. “Ao Vivo [ Dentro da Cabeção de Alguém], texto e direção de Marcio Abreu, talvez seja a expressão mais evidente das propostas cênicas sobre questões identitárias, tão presentes nas 26 encenações deste ano. Contígua ao “Voo Livre”, penúltima encenação de Abreu, a atual vista em Curitiba e que se apresenta em maio no Teatro Carlos Gomes, no Rio, expande o que a montagem anterior firmava como processo dramatúrgico do diretor. Títulos projetados no centro do palco, antecipam as cenas (futuro, mãe, amor, casal) estabelecendo unidade na busca das memórias de uma atriz (Renata Sorrah) e seus comparsas de palco, em representação do lembrar. Os sinais em gestos e textos lançados em tonalidade intrigante por Renata ao ocupar o proscênio, indicam o traçado por onde o espectador será levado. O caminho converge para memorial de citações a Tcheckov, fotogramas e trilha sonora dos anos 1960, relações interpessoais, política e pauta de costumes. Na exposição nervosa e ágil em palco sem adereços, corpos e palavras se fundem em movimentos dissonantes e ruídos atritados. Rafael Bacelar é a perfeita tradução dessa sintonia rascante, que reconstrói passados para atuar no presente. Memórias trazem imagens, que com o tempo se diluem pelos vapores das evocações. Uma festa de luzes antecipa o final de “Ao Vivo {Dentro da Cabeça de Alguém}, já que as imagens sempre se apagam, mas memórias podem ser vividas como ação, ainda que estejamos condenados a esquecer o que passou e adiar o futuro