quarta-feira, 13 de junho de 2018

Temporada 2018


Crítica do Segundo Caderno de O Globo (13/6/2018)

Crítica/ “Vim assim que soube”
Foco sobre situações terminais

Uma doença terminal aproxima finitudes de inícios. Autor de texto teatral descreve a proximidade de sua morte ao lado da atriz amiga desde o início de carreira, relembrando noitadas, ensaios e espetáculos. Em mergulho emocional anárquico e balanço biográfico-profissional, a dupla revive, para além do que a tumultuada amizade construiu, a celebração de tantas experiências, a impermanência do ofício e o funeral ao tempo vivido. Pouco resta quando da iminência da perda é total. Memória, sentimentos e frustrações ocupam a cena enquanto relata de si, mirando o palco, espaço escolhido para exibir múltipla instabilidade. Viver morrendo é a metáfora da dramaturgia de Renato Carrera para “Vim assim que soube”, que se aplica à inconstância das relações e à resistência ao efêmero daqueles que fazem da representação a arte de assinalar o mundo. As proposições do texto nem sempre se clarificam pela carga excessiva de dramaticidade que é atribuída a diálogos em tons sentenciosos ou expostos como desabafos. Carrera mostra desejo de gritar, deixar explícito o rumor que parece o ter motivado a escrever esse drama-psicológico-memorialístico. Marco André Nunes amplifica o grito, estendendo o seu alcance a meios expressivos (projeções, trilha sonora, cenografia, atuações) desentoados. A montagem ressoa barulhenta, interferida de ruídos que estabelecem disritmia narrativa,  alternada de subjetividade e exibição. O diretor investe na imagem expositiva, atropelando o ritmo interior da palavra, desfazendo ainda  mais a instável estrutura sobre a qual a encenação tende a escorregar. A cenografia de Daniel de Jesus, ao deslocar para a lateral a geometria do olhar, procura ambientação abstrata que mantenha ilusória as referências de realidade. A iluminação de Renato Machado explora, contidamente, a linearidade do cenário. A trilha sonora de Felipe Storino mais ressalta do que sublinha. E o figurino de Nina Costa Reis é notado pela visibilidade apagada em contraste com a veste intrigante do ator na última cena. Cris Larin, em contraponto bem dosado, rebate a intensidade impetuosa do seu companheiro de elenco. A atriz desempenha, com domínio do humor e preparo físico, o quadro da improvisação na escola de teatro. Renato Carrera se agarra, como ator, ao que escreveu em irrestrita tradução física e emocional. A adesão é integral. A vocalização, sincera.