terça-feira, 17 de setembro de 2019

Temporada 2019


Crítica/ “Macunaíma – Uma Rapsódia Musical”
Um "herói da nossa gente" envolto em plástico
Não deixa de ser necessário buscar no subtítulo que “Macunaíma” recebeu na versão de Bia Lessa, muito do que a diretora, cenógrafa e “escritora cênica” pretendeu com a encenação da obra de Mario de Andrade, no Teatro Carlos Gomes. A “rapsódia musical” atende, em parte com a citação às sonoridades e a integração da Cia. Barca dos Corações Partidos (“Auê” e “ Suassuna, o Auto do Reino do Sol”) à linguagem performática das atuações e a visualidade expandida da versão teatral do autor paulista. Em  180 minutos, a saga do personagem, perseguindo uma identidade ainda sem caráter, e movido, preguiçosamente, por tantas dubiedades quanto são as mutações que sofre ao longo de suas aventuras, se multiplica em imagens que asfixiam as palavras. O “herói da nossa gente”, o menino que por magia se faz homem, que é morto e ressuscita, percorre o Brasil, acompanhado dos irmãos e de séquito de araras e jandaias, divide-se em muitos para incorporar um todo. E esse todo, talvez seja a brasilidade, capturada nas suas contradições formativas e no sentido quase antropológico de recolha de lendas, folclore, e culturas. A fartura de referências e a complexidade do original - um dos mais atraentes para estudos acadêmicos – exigem, além de interpretação conceitual no palco, adaptação a uma linguagem cênica que projete a ação narrativa em sua caudalosa dimensão. Em que medida, a pluralidade de Macunaíma encontra a inevitável “sintetização” da teatralidade? Mesmo a impactante montagem de Antunes Filho, em 1978, se ressentia da condensação da palavra em ato e da imagem em poética. Não se trata de perda – qualquer adaptação sofre na transposição dos meios -, mas de inadequações. Bia Lessa envelopou em plásticos, que se desdobram em úteros-florestas, formas esvoaçantes e bolhas flutuantes, o percurso mágico-musical-físico, de tantas peripécias a partir do “fundo mato-virgem”. Até o retorno às origens, quando “tem mais não”, o volume de efeitos que buscam um esteticismo referendado por encenações dos anos 1970, assume formas que sublinham, pretendendo comentar, e acabam, apenas, por ilustrar. À rapsódia “andradiana”, acrescentou-se o musical, para incorporar o grupo Barca, o que acentua interferências na percepção da palavra, e amplia distância ao enquadramento da montagem. Acessórios virtuosos, os músicos – Adrén Alves, Alfredo Del-Penho, Beto Lemos, Fábio Enriquez, Renato Luciano, Ricca Barros, ao lado de instrumentistas convidados – conferem sonoridade poderosa ao que se restringe, em muitos momentos, a trilha de fundo. O destaque é a participação da Barca na melhor e mais envolvente cena, a que encerra o primeiro ato.