quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (20/12/2017)

Crítica/“O jornal”
O amor interditado

A dramaturgia do inglês Chris Urch neste texto que se passa em Uganda, com referências a realidades locais, se reveste da urgência da denúncia e do ativismo contra preconceitos. Do que se trata, é da manipulação religiosa em meio a atitudes discriminatórias na manutenção de comportamentos sociais que sustentam arbitrariedades. À violência na subtração de incontornáveis desejos, se interpõem hipocrisias e devoções oportunistas. Três irmãos vivem as impossibilidades de suas aspirações. Joe disputa o posto de pastor de comunidade, rígida nos preceitos que impedem Wummie de afirmar seus projetos existenciais e o jovem Dembe de viver a sua paixão pelo estrangeiro Sam. As escaramuças pelo poder na igreja revelam a intolerância de uma cultura masculina que reprime o homossexualismo e restringe o papel da mulher fora das paredes da casa. A citação ao jornal The Rolling Stone de Kampala, que em virulenta campanha em 2010, propunha a execração pública de supostos praticantes de “comportamentos sexuais desviantes”, confere painel  geográfico ao drama familiar. A trama é bem urdida e funciona como enfrentamento, sem entrelinhas, de  situações de traços fortes e de efeito provocador. Os personagens perdem um tanto de sua densidade, melhor construídos como representações de injustiças sociais. A direção dupla – Kiko Mascarenhas e Lázaro Ramos – confirma a função mobilizadora da narrativa, mas em paralelo a poética visual, que equilibra e suaviza o predominante tom do autor. O tracejar do espaço cênico, com o giz que delimita a circunferência da ação, se expande por outras possibilidades de visualização, como o surgimento de um bote e de luminosidade de efeitos dramáticos. As passagens de tempo são preenchidas com movimentos de dança e com música de sonoridade africana, que provocam quebra de tensão e situam o ambiente. Ao elenco é exigida carga interpretativa que o grupo ainda não consegue sustentar. Apesar do empenho e da disciplina cênica, os atores – Heloisa Jorge, Indira Nascimento, Marcella Gobatti, Danilo Ferreira, Marcos Guian e André Luiz Miranda – se mostram contraídos e inexperientes em montagem que pede intérpretes de maiores recursos.