Estreado em 2011, o monólogo “A Lua vem da Ásia”, adaptação do romance de Campos
de Carvalho pelo ator Chico Diaz ganha mais uma emissão online - link - No atual formato digital, segundo Diaz, pode ser visto “numa versão mais leve,
mais bem humorada”. Leia a crítica publicada há dez anos do espetáculo original
para na sua montagem no palco.
Chico Diaz no espaço ilógico de Campos de Carvalho
Onde se refugiou a lógica? Os mestres de sua disseminação foram
assassinados e os seus acólitos estão presos em manicômios, servindo de cobaias
a uma racionalidade que não consegue entender o mundo. Neste espaço ilógico,
Campos de Carvalho propõe, em “A Lua vem da Ásia”, a apreensão da vida no
refluxo da tentativa de abarcá-la. São áreas desconhecidas, percorridas com
palavras que mapeiam geografias humanas e razões imutáveis, ironizam desígnios e
falseiam certezas. O fluxo verbal se conduz por espaços que se desmentem
continuamente, levam a pontos de incertezas. A ficção de Campos Carvalho, menos
como experimentação de linguagem literária, é mais um modo de ficcionar um
universo atropelado por inconclusões, visão um tanto niilista da existência, em
que o humor crítico se infiltra por cada um dos desvãos da narrativa. Escrito em
1956, o livro, como o restante da obra do autor, continua provocador em sua
iconoclastia e intrigante em seus atalhos verbais. Aderbal Freire-Filho foi quem
trouxe para o teatro o universo de Campos de Carvalho, com “O Púcaro Búlgaro”,
encenação em que fazia do literário a própria razão de ser da cena. Ao apostar
na adequação do que é essencialmente romanesco para o que pode vir a ser
profusamente teatral, Aderbal traduziu algo até então lido para a fisicalidade
do palco. Em “A Lua vem da Ásia”, em temporada no Teatro I do Centro Cultural
Banco do Brasil, o diretor Moacir Chaves não repetiu a abordagem de Aderbal,
ainda que no programa do espetáculo, seu nome apareça como supervisor de
dramaturgia. Chaves destaca da adaptação de Chico Diaz (há um “prólogo” e um
“epílogo” que encorpam a inteireza do romance) uma certa “dramaticidade” para as
diversas nuances estilísticas de uma oralidade obsessiva como caudal desviante
das possibilidades de percepção. O diretor empresta ao monólogo caráter múltiplo
como formas de capturar os diversos veios expressivos pelos quais são conduzidos
os leitores-espectadores da jornada de alguém percorrendo dúvidas e
intencionalidades. A cenografia de Fernando Mello da Costa funciona como
acessório a este visão multiplicada que o romance propõe e o diretor acompanha.
O quadrado vazado, quarto-manicômio, servido por objetos que chegam como se
fossem transportados por monta-cargas ou se distribuem como peças espalhadas por
delírio organizatório, se transforma em sugestão de lona circense, que acompanha
a mudança de espaço e das divagações envolta pela maior evasão da interioridade
do personagem. Chico Diaz se entrega a esse mergulho no labiríntico percurso de
quem (des)escreve o mundo como embate de espírito globalizadamente humanizado.
Com força oscilante entre o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo
que evoca Beckett, o ator transmite com ironia e sensibilidade o “sentimento do
mundo” como a poesia cáustica de quem o moldou. Uma interpretação com plena
adesão e identidade ao material “dramático” e domínio da sua medida e extensão.
Uma atuação límpida e inteligente.