Crítica publicada em 4/1/ 2017. “Antígona” está de volta ao
Teatro Poeira.
“Antígona”, de Sófocles, é submetida pelo
diretor Amir Haddad e pela atriz Andrea Beltrão a um reposicionamento cênico
para situá-la em outro plano narrativo. A tragédia se conta a partir de
enquadramento teatral que sugere a informalidade de receber o público à
entrada, de permitir a saída a qualquer pretexto e deixar os bastidores
(camarim e luz) abertos. A cenografia prende à parede papéis com os nomes de
deuses e antepassados, fundadores míticos e atores humanos dos acontecimentos a
serem expostos. Ao situar os antecedentes dos atos que levam Antígona a
enfrentar Creonte, se estabelece a representação da humanidade em diálogo com a
transcendência. Com o quadro posto, o modo e o estilo da encenação ficam à
mostra, desvendados pelo artesanato de palavras de contador de histórias. O que
emerge desta arquitetura narrativa é uma eclosão de personagens que falam de
prodígios por uma única voz e com os quais se confundem a fatalidade de existir
com a incerteza das ações. A contenção de meios e a concentração do monólogo
impõem uma carga de informações que age no sentido inverso à pretendida
comunicação mais direta e ao didatismo do contexto. O que foi concebido para
ser exposição (as relações com o mitológico) ganha abrangência que descarna a
força de Antígona como aquela que enfrentou os limites da desobediência e os
mistérios da morte. Os movimentos entre a espontaneidade de contar e a
ritualização da linguagem produzem quebras e intermitências que lançam a plano
secundário a tragicidade do ato transgressor e a poética do drama verbal.
Andrea Beltrão se faz múltipla para se tornar única. A intérprete que introduz
o tom de conversa no início, é a mesma que em apenas uma hora corporifica, com
uma echarpe e troca de sapatos, goles de água e lágrimas contidas, uma Antígona
de natureza pulsante. E de quem retira a sua essência (“Nasci para o amor.”) e
ecoa os ruídos do mundo (“Nada é mais prodigioso na Terra do que o homem.”). A
atriz desvenda os vários significados que a historicidade acomoda, ao lado da
atitudes propulsoras da “trama”, em paralelismo que nem sempre o arcabouço
cênico facilita. Superando com “naturalidade interpretativa” os oscilantes
planos da estrutura, Andrea ensaia o trágico, delimita o drama e redimensiona o
monólogo.