Crítica/ “Memórias
do esquecimento
Outro monólogo. Desta vez, a versão cênica do
depoimento de Flávio Tavares, torturado pela ditadura militar brasileira, ato revivido
em prisão do regime similar uruguaio, no finai da década de 1960 até a de 1970.
O jornalista gaúcho, militante na luta política, banido da sua cidadania, alma roubada
da sua utopia, sobrevivente, física e emocionalmente, das investidas contra a
sua integridade e das ameaças à sua dignidade, desafia pela escrita, reviver aquilo
que lhe parecia incontável. Mais do que denunciam, as descrições da violência e
das arbitrariedades de um regime autoritário, as palavras de Flávio alcançam um
homem acuado, sem defesas para tentar, sequer, sobreviver. O aniquilamento pretendido
pelos algozes, atinge a força vital de quem considera múltiplas as mortes
experimentadas nos subterrâneos da repressão e nas catacumbas de si mesmo. O diretor, ator
e adaptador (ao lado de Daniela Pereira de Carvalho) Bruce Gomlevsky tratou o
material escrito através do formato descritivo de origem. Relato de uma
vivência dolorosa, a transcrição cênica segue com fidelidade narrativa o tom
expositivo da resenha emocional do preso político. Com o palco do Poeirinha desenhado como uma caixa preta, a presença física
do ator é quase estática, com a voz assumindo projeção impositiva, mas mantendo-se
em ritmo constante, de poucas relevâncias e em estado de pulsação. Em
movimentos curtos e deslocamentos raros, o intérprete é destacado por
iluminação de cuidada intervenção de Russinho. O extenso relato, que a fixidez
corporal e o diapasão da voz tornam equalizados, sofre quebras dramáticas que na
leitura não ocorrem, mas na cena se deixam ver pelas dificuldades que o
monodrama impõe. Bruce Gomvlesky enfrenta o desafio de se apropriar, com a
precaução do comedimento, das palavras candentes de uma vida sitiada. Vence a
batalha em monólogo que foge de intermediações, em busca do frente a
frente de um discurso direto.