segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Temporada 2018


Crítica/ “Nerium Park"
Recolha dos detritos de uma relação
O texto do espanhol Josep Maria Miró aponta para várias e dispersas direções até desvendar sua verdadeira natureza. Mesmo autor de “O princípio de Arquimedes”, encenado na temporada 2017, Miró reproduz em “Nerium Park” no palco do Teatro Glaucio Gill, a atmosfera de ameaça e estranheza que apoiava a história de culpabilização coletiva de um professor de natação infantil. O Park em que o autor situa a narrativa é um condomínio de classe média, ocupado por casal no único apartamento habitado. Com projetos de futuro, demonstrando fraturas no relacionamento e cercado pelo vazio do entorno, a dupla é assaltada por desemprego, ameaças intuídas e esfacelamento de sentimentos.  A ambientação funciona como projeção de modelo social em estado agônico e reflete o condicionamento do autor a construir situações singulares, mas não consegue encobrir o real drama psicológico de casal que sustenta a ação. Há qualidades nos diálogos e cortes de tempo bem sequenciados, ainda que a envolvência misteriosa de personagem oculto e vagamente ameaçador não estabeleça embate dramático consistente. A contracena com o que fica subjacente não se integra ao cenário emocional de quem apenas vive o desgaste da relação. Longos e vivendo de espasmos, os quadros sobrevivem mal à monotonia que provocam pelas reiterações circulares da trama. O diretor Rodrigo Portella procurou fugir daquilo que era inescapável: o realismo psicológico. Conseguiu, ao menos em parte. A cenografia despojada, branca e vazia de elementos, é preenchida por vasos de plantas, detritos e terra que se acumulam e soterram o esfacelamento do convívio. Um tanto óbvia e já bastante explorada, a “solução” disfarça, com algum maneirismo, aquilo que o texto, efetivamente, é. O elenco – Pri Helena e Rafael Baronesi – duela com armas pouco afiadas. O desenho corporal, que a princípio insinua combatividade, se perde em exibicionismo físico e figuração teatralizada. Rafael Baronesi adota um ar de distanciamento, que canaliza para excessiva exposição do corpo. Pri Helena busca os escaninhos da hesitante personagem. Encontra alguns, mas os abandona no incontido arrebatamento da última cena.