segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Temporada 2018


Crítica/  “Diários do abismo"
Um monólogo diante de seus desafios
Já há algum tempo, e por variadas justificativas, os monólogos ocupam a cena carioca em progressão numérica e conceituações múltiplas. Questões de produção são alegadas, prioritariamente, como o motivo mais relevante. É um deles, mas, algumas vezes, esconde mais do que denuncia. Escolhas temáticas, que se baseiam em obras literárias, agendas sócio-políticas, narrativas clássicas e até depoimentos pessoais, quase sempre camuflam as dificuldades de adaptação à individualização cênica. As possibilidades de encontrar a dramaturgia, no texto e na cena, e traduzi-la como expressão real teatral, esbarram nas limitações do discurso monodramático, e no empréstimo, comumente postiço, da obra transcrita. “Diários do abismo”, em cartaz no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil, se enquadra na maioria dessas premissas. Baseado no livro-depoimento de Maura Lopes Cançado, “Hospício é Deus”, escrito nos anos 1960, a partir de uma de suas internações em hospital psiquiátrico. A adaptação de Pedro Brício seleciona algumas datas do diário que revelam muito mais as condições prisionais dos tratamentos do que a “lógica existencial” dos delírios do inconsciente. O livro inspirador se fixa na biografia de alguém que descreve a si mesma como impossibilidade de convívio com o mundo. Biográfica, desde as reminiscências de infância às tentativas frustradas de casamento, profissionais e  de convivência, a narrativa é balanceada por frases que buscam a sinceridade do literário como expressão construída do desajuste. Esse material foi trabalhado pelo diretor Sergio Módena para modula-lo para além da forma expositiva da atuação. Para tanto, se cercou do dispositivo cenográfico de André Cortez e da iluminação de Paulo Cesar Medeiros para impor mobilidade à atuação frontal. Colções de espuma que figuram pessoas, projeções que reafirmam as palavras, luzes expandidas e sonoridade eventual dão movimentos ao imobilismo da fala direta. Sem acentuar passagens, o diretor amplia, com sutileza, alguns momentos, evitando um possível e ameaçador dramatismo. Se no passado, os monólogos serviam para um certo exibicionismo, ora confortável, ora virtuosístico, agora as razões da interpretação do gênero precisam emergir da própria dramaturgia. Maria Padilha empresta, com alguma sensibilidade e leveza, o testemunho de uma história em estado de desequilíbrio. A atriz cumpre o papel, mas não o confronta com os abismos que propõe.          

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Temporada 2018


Crítica/ “Nerium Park"
Recolha dos detritos de uma relação
O texto do espanhol Josep Maria Miró aponta para várias e dispersas direções até desvendar sua verdadeira natureza. Mesmo autor de “O princípio de Arquimedes”, encenado na temporada 2017, Miró reproduz em “Nerium Park” no palco do Teatro Glaucio Gill, a atmosfera de ameaça e estranheza que apoiava a história de culpabilização coletiva de um professor de natação infantil. O Park em que o autor situa a narrativa é um condomínio de classe média, ocupado por casal no único apartamento habitado. Com projetos de futuro, demonstrando fraturas no relacionamento e cercado pelo vazio do entorno, a dupla é assaltada por desemprego, ameaças intuídas e esfacelamento de sentimentos.  A ambientação funciona como projeção de modelo social em estado agônico e reflete o condicionamento do autor a construir situações singulares, mas não consegue encobrir o real drama psicológico de casal que sustenta a ação. Há qualidades nos diálogos e cortes de tempo bem sequenciados, ainda que a envolvência misteriosa de personagem oculto e vagamente ameaçador não estabeleça embate dramático consistente. A contracena com o que fica subjacente não se integra ao cenário emocional de quem apenas vive o desgaste da relação. Longos e vivendo de espasmos, os quadros sobrevivem mal à monotonia que provocam pelas reiterações circulares da trama. O diretor Rodrigo Portella procurou fugir daquilo que era inescapável: o realismo psicológico. Conseguiu, ao menos em parte. A cenografia despojada, branca e vazia de elementos, é preenchida por vasos de plantas, detritos e terra que se acumulam e soterram o esfacelamento do convívio. Um tanto óbvia e já bastante explorada, a “solução” disfarça, com algum maneirismo, aquilo que o texto, efetivamente, é. O elenco – Pri Helena e Rafael Baronesi – duela com armas pouco afiadas. O desenho corporal, que a princípio insinua combatividade, se perde em exibicionismo físico e figuração teatralizada. Rafael Baronesi adota um ar de distanciamento, que canaliza para excessiva exposição do corpo. Pri Helena busca os escaninhos da hesitante personagem. Encontra alguns, mas os abandona no incontido arrebatamento da última cena.