quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Temporada 2018


Crítica/ “Molière”
Molière de muitas caras
O universo é o da biografia e do teatro, e a invenção, de fatos e de gêneros de representação. O texto da mexicana Sabina Berman reúne o comediógrafo  Molière e o trágico Racine vivendo o dualismo da contracena na corte de Luiz XIV. Para além das disputas, arbitradas pelo poder real e a censura exercida pelo poder eclesiástico, o absolutismo das leis e a hipocrisia dos comportamentos determinam o envolvimento e a dependência das benesses dos patrocínios. É nessa ambiente em que opostos duelam e atitudes se manifestam como ditaduras, que Berman situa os personagens referenciados e revisa histografias. A construção narrativa permite diversas linhas de encenação pelas diferenças estilísticas propostas pela autora. Opor para estabelecer o desequilíbrio das forças dramáticas parece ter sido a característica dominante da direção de Diego Fortes. A montagem paulista, em cena no Teatro Adolpho Bloch, é desabrida na exposição do entrecho, confundindo crítica com gozação e impondo, artificialmente, trilha musical com canções de Caetano Veloso. A encenação soa retumbante, um tanto fora do seu eixo central, ao sobrepor elementos que se atropelam, e em alguns momentos se negam. Mesmo a dissonância na intensidade e saturação nos meios, “Molère” deixa evidente as suas opções, e em conjunto acaba por revelar-se comunicativa. A cenografia de André Cortez e Carol Bucek e o figurino de Karlla Girotto reproduz no visual a sobrecarga que sustenta o espetáculo, mas com algumas boas sacadas na caracterização. O conjunto musical desempenha o seu papel de tornar ruidosa a sua participação. No elenco de 15 atores, em que Matheus Nachtergaele (Molière) e Elcio Nogueira Seixas (Racine) demonstram confortável assimilação ao espírito da montagem, os demais atores se integram, em pequenas intervenções, com atuações melhor sintonizadas ao estilo do humor predominante. Renato Borghi imprime autoridade farsesca ao arcebispo Péréfixe, Nilton Bicudo é um divertido rei Luiz XIV e Rafael Camargo  tem ótima composição como La Fontaine. Georgette Fadel (irmão de Racine) demonstra, com surpreendente maleabilidade corporal e voz clownesca, além de marcar presença na banda como trompetista, a certeza de que não existem papéis secundários.