quarta-feira, 25 de julho de 2018

Temporada 2018


Crítica/ “Elza”
Musical reequilibra o gênero

Entre o prólogo, quando são citadas várias mulheres negras, e o epílogo, quando se apontam armas para recomeços, emerge uma voz única, de timbre especial e ressonância duradoura, que repercute na batida de latas e no compasso rascante da biografia. “Elza” é um musical, mas ao contrário de tantos outros, estende uma vida a várias tonalidades de suas manifestações, trazendo não apenas a sonoridade que exalta, mas as dissonâncias que assentam. Para além das histórias que o texto de Vinícius Calderoni relata e o repertório de Elza Soares se encaixa, há a encenação de Duda Maia que bafeja, com técnica, sensibilidade e emoção, vitalidade a um gênero degastado pela acomodação, repetição de fórmulas e precária execução. Esse que poderia ser classificado mais um musical-biográfico, não foge à regra e muito menos “revoluciona” o gênero ou subverte a linguagem. É tão-somente espetáculo teatral de alta qualidade de realização, com rigor criativo e perspectiva reflexiva, que encontra na coletivização do estilo, a individualidade da linguagem. O musical assinado por Duda Maia leva a voz a registros dramáticos e de protesto, sem deixar de ecoar a particularidade de uma história que centraliza os meios de projeta-la em múltiplos expressões. No corpo, as sete atrizes-cantores interpretam os movimentos que surgem a partir da instabilidade, a mesma que percorre a vida da cantora. São baldes e praticáveis móveis sobre os quais o elenco se equilibra em referência a latas d’água e transporte aos tempos difíceis. Na entonação, o repertório musical é repassado com integrada e suave passagem ao fluxo narrativo. Na ambientação, os elementos de cena e a iluminação criam  espaço que emoldura a geometria das marcações. A montagem se encorpa através de cada um de seus planos, em soluções cênicas bem delineadas, evitando o mero efeito e a superficialidade do brilho. A qualidade da direção musical de Pedro Luís e dos arranjos de Letieres Leite encontra na execução das musicistas – Antônia Adnet, Georgiana Camara, Guta Menezes, Marfa Kourakina, Neila Kadhi e Priscila Azevedo – um naipe de excelentes instrumentistas. O cenário de André Cortez, com os painéis e a multiplicação de usos para os baldes (pedestais, refletores, amplificadores) serve com funcionalidade e invenção à concepção da diretora. A iluminação de Renato Machado, engenhosa no desenho e sensível na luminosidade, é outro dos melhores destaques da montagem. Mas são as atrizes-cantoras – Janamô, Júlia Dias, Késsia Estácio, Khrystal, Laís Lacôrte, Verônica Bonfim e Larissa Luz – que exibem mais do que vozes com domínio técnico, beleza tonal e segurança de palco. O canto, a composição corporal e a atuação se harmonizam num conjunto de alto nível. Larissa Luz, por conta da interpretação mais conotada  a Elza Soares, e pela semelhança ao timbre da cantora, recriado com a força original, conquista, por indiscutível mérito, o protagonismo de um musical que dá gás revigorante ao desgastado modelo biográfico.