quarta-feira, 18 de julho de 2018

Temporada 2018


Crítica/ “A invenção do Nordeste"
A dança de uma geografia improvável
Há dois anos, no mesmo Sesc de Copacabana de agora, onde apresenta “A invenção do Nordeste,” o grupo Carmin de Natal estreava  “Jacy”, que trazia do Rio Grande do Norte uma história local sem qualquer resquício de regionalismo. Contava-se a vida de Jacy, que conheceu soldado americano das tropas que estiveram na cidade durante a Segunda Guerra, e mostrava painel do coronelismo na transferência e manutenção do poder político. Com esta nova montagem, o coletivo potiguar se volta, decisivamente, para a sua  geografia, demarcada não apenas na territorialidade, mas no acento crítico do olhar identitário e no sotaque múltiplo de vozes dúbias. Baseado em livro homônimo de Durval Muniz de Albuquerque Jr., roteirizado por Henrique Fontes e Pablo Capistrano, a montagem expõe desconstruções de verdades históricas e de reinvenções culturais folclorizadas. A preparação de dois atores nordestinos para testes para uma produção do Sudeste lança a dupla e seu ensaiador a descobrirem o real personagem da região: tanto para cada um deles, quanto para os de fora com expectativas de reproduzir estereótipos. Em meio a indícios e dúvidas, avaliam a extensão de uma “nordestinidade” improvável e de sinuosas práticas teatrais. Sempre com humor, irônico, autorreferente, demolidor, a dramaturgia encontra na direção de Quitéria Kelly a sua melhor interpretação. Os símbolos e sinais emitidos pela tentativa de classificação sociocultural são traduzidos por corpos e imagens, que desarmam conceitos e opiniões. O barulho de chocalhos, que propõe poética ambientação, contrasta com certezas históricas, sociológicas, e com obras literárias sacralizadas. A iconografia utilizada, em projeção de filmes, vídeos e nos materiais artesanais, é reproduzida em coreografias críticas. A  narrativa mostra algumas quebras, mas logo se recupera com surpreendentes soluções. O mapa com borra de café é tão divertido quanto é abusada a brincadeira com a fala regional. O trio de atores – Henrique Fontes, Mateus Cardos e Robson Medeiros – referenda com interpretações finamente ajustadas o espírito da cena. E são apoiados por criativa preparação corporal (Ana Claudia  Albano Vieira), sólida preparação vocal (Gilmar Bedaque) e inventiva cenografia e direção de arte (Mathieu Duvignaud). “A invenção do Nordeste” abusa da irreverência com o que está posto como definitivo, sejam os maneirismo do teatro, os diversionismos geográficos e o humor da correção.