quarta-feira, 11 de julho de 2018

Temporada 2018


Crítica/ “Quarto 19
Ao encontro das entrelinhas emocionais 

A atriz chega ao espaço cênico através da entrada do Poerinha. Anuncia a personagem com as roupas de quem acaba de vir da rua, trazendo o que parece ser pouco mais do que o cotidiano. Começa a falar, pausadamente,  para contar história sobre o fracasso da inteligência, de “um casamento baseado em inteligência”. A mulher, que se desvenda aos olhos da plateia, é alguém que forma uma família bem sucedida na aparência e é sufocada pelos papéis sociais e emocional que se provam intransponíveis pela função excludente de cada um deles. Em inexorável processo de negação, se refugia às tardes em quarto alugado de hotel barato para tentar refrear a desagregação da individualidade. Perde a ruidosa batalha interior para contradições surdas do mundo, diante das quais depõe as poucas armas que intenta empunhar. A fuga no quarto 19 é a única e definitiva que lhe resta. Baseada no conto homônimo de Doris Lessing, a versão teatral dirigida por Leonardo Moreira se faz translúcida pela palavra e movimentos despojados. Os sentimentos distendidos ao limite da lucidez, que o conto percorre com a precisão do mergulho profundo na emersão no palco, são recriados com oralidade sem dramática e corporificados sem arrebatamento. É essencial demonstrar, com a simplicidade dos meios expressivos, o que o literário constrói como estilo. A iluminação se faz sutil e apenas para marcar início e fim. A cenografia se estende à impessoalidade monocromático de uma parede e a imagem solitária de uma poltrona. A trilha sonora dedilha ruídos quase imperceptíveis. E a intérprete narra a descida à caverna dos impossíveis com a naturalidade de quem explora os seus veios mais obscuros. Amanda Lyra, que também assina a tradução, tem o domínio do relato, mas não o transforma em depoimento, sustentando a força da palavra com a mesma densidade possível atribuída à sua leitura. Nada de ênfases ou destaques, apenas a condução estratégica por entrelinhas, que se insinuam num tom de conversa. Em não mais do que três movimentos de corpo, Amanda se curva ou marca com o físico algum estado emocional. Estabelece uma tal alteridade atriz-personagem para encontra-las num atuação límpida em suas intenções e depuradas em sua técnica. Um trabalho cirúrgico.